28.2.05
27.2.05
Canção divina as cousas comovia,
E de ternura as árvores choravam...
E lembrava o luar a luz do dia
E os ribeiros, extáticos, paravam.
Era Orfeu, de inspirado, que descia
Às entranhas da terra! E se afundavam
Os seus olhos na noite, muda e fria,
Onde as pálidas sombras vagueavam.
Eurídice, o seu morto e triste amor,
Ouvindo-o, tomou forma e viva cor,
Íntima luz à face lhe subiu...
Mas Orfeu, pobre amante enlouquecido,
Quis ver aquele corpo estremecido...
E, outra vez sombra, Eurídice fugiu...
(Teixeira de Pascoaes)
25.2.05
23.2.05
Se fosses luz serias a mais bela
De quantas há no mundo - a luz do dia!
- Bendito seja o teu sorriso
Que desata a inspiração
Da minha fantasia!
Se fosses flor serias o perfume
Concentrado e divino que perturba
O sentir de quem nasce para amar!
- se desejo o teu corpo é porque tenho
Dentro de mim
A sede e a vibração de te beijar!
Se fosses água - música da terra,
Serias água pura e sempre calma!
- Mas de tudo que possas ser na vida,
Só quero, meu amor, que sejas alma!
(António Botto)
22.2.05
Sejam a vida ou a morte
Duas companheiras fieis,
A morte é a calmaria adoçada,
mesmo que dorida e profunda.
É também um estado d´ arte,
A obra acabada da parte
incompleta e fecunda,
De uma vida aproveitada.
A vida é fealdade e beleza,
traçada em linhas escondidas.
É euforia e descrença gritadas,
Na alma e mente habituadas
ao silêncio das emoções paridas,
Nos desígnios da surpresa.
Não fique então a morte retida,
Por muito que não seja amada.
Que venha, que é bem tolerada,
Que Amado foi o milagre da vida.
(João Fernandes)
21.2.05
O PSD começou a perder estas eleições na primeira vitória de Cavaco Silva. De lá para cá assistíu-se a um crescendo de importância da função económica, enquanto mecanismo repressor da vida nacional, ao invés de se estimular os agentes económicos.
O pseudo "milagre" de Cavaco Silva foi conseguido através da conjunção de três factores: a) fundos estruturais que nos chegavam de Bruxelas já etiquetados (facílimos de negociar, como se entende, se forem aplicados onde quem os disponibiliza muito bem quizer); b) fraca cotação do dólar; c) baixa no preço do petróleo. O milagre foi este, nada mais. Durou enquanto durou. Mas o mecanismo repressor manteve-se, criou escola no PSD. Foi assumido como dogma, levado à prática quase por fanatismo. É saudável um controlo apertado sobre a despesa pública, mas já se disse, reiteradamente, que esta despesa é uma moeda de duas faces: uma produtiva e outra consumista. A produtiva deve ser fomentada, particularmente em ciclos económicos depressivos (a política económica anti-cíclica); a segunda deve ser combatida com todas as forças.
A ruína, como ouço bastas vezes a pequenos e médios empresários, começou com a construção das auto-estradas, vias rápidas e quejandas, que nos aproximaram tanto de Espanha, de Madrid e Barcelona, que faz todo o sentido citar Nicolau Santos, embora a propósito de outro tema: "...a Castellana é uma avenida tão grande, tão grande ....que até atravessa o meu País". De facto ficámos à mercê da proximidade de um mercado espanhol imenso, de dimensão tão desigual que só poderia acontecer a Baleia comer a Sardinha, como nos aconteceu.
Aproximou-se litoral e interior, diminuíu-se o tempo necessário às diversas deslocações internas, reduziram-se os custos de transporte, aproximaram-se as populações, mas como não se investíu no referido interior, o êxodo para o litoral foi uma consequência imediata, desertificando aquele e sobrepovoando este, diminuindo drásticamente as condições de vida de todos os envolvidos - os que já estavam e os que foram chegando. Foi este o "milagre" de A. Cavaco Silva. Uma diminuição da actividade económica na classe média, um aumento da miséria. O investimento público e aplicação dos fundos comunitários foi efectuado em alcatrão, não em investigação, formação (o país tem enormes carências nas áreas científicas, nomeadamente ao nível da formação de engenheiros e economistas - somos iletrados económicamente - e uma gritante ausência de formação matemática), centros de desenvolvimento - atente-se no "flop" da auto-europa, enquanto polo aglutinador de novos investimentos na área automóvel (não houve capacidade de exponenciar as externalidades derivadas do projecto, como plataforma de angariação de novos investimentos na área da alta tecnologia), incapacidade gritante de provocar desenvolvimento sustentado em todo o território nacional, aumentando, consequentemente, as assimetrias em vez de as reduzir. Mais razões poderiam ser mencionadas como demonstrativas do falhanço do modelo económico levado à prática.
Para rematar tivemos Manuela Ferreira Leite.
Recordo um único episódio (haveria mais): num final de ano , coincidente com um perdão fiscal de juros vencidos, o Estado colocou uma emissão de títulos nos CTT, para cobertura da dívida pública, tendo-se levantado dúvidas quanto às taxas a praticar e respectivos prazos. Os funcionários dos CTT seguiam escrupolosamente as indicações mencionadas no folheto de colocação, mas a Srª Ministra, em directo na TSF, teimava em contrariar as indicações que eram transmitidas ao público e, perante a insistência do entrevistador quanto às informações reais que eram prestadas, respondeu: " Se os funcionários dos CTT estão a dizer isso vão todos presos"(sic). Veio-se a verificar que a Senhora não tinha razão! Nem o facto seria caso para mandar prender alguém, mas ilustra a personalidade e o tacto político. Só mais um, não resisto: quando do aludido perdão fiscal de juros, logo em Janeiro o MP veio a público dizer que o facto dos pagamentos terem sido efectuados não resolvia o problema do crime fiscal. A Srª Ministra alheou-se da questão, afirmando ser um problema do MP. Não era. Era um problema de credibilidade do Governo e da argumentação utilizada para chamar o devedor fiscal a cumprir: ".....é a última oportunidade de regularizar..." .
20.2.05
Tinha traçado o destino,
No ângulo da sua moral.
Tomar o prazer sensual,
Evocá-lo como a um hino!
Relatar com sentida ternura ,
O Amar louco, inconsciente.
A aprendizagem assente
Na química da paixão pura.
Reter o fluir da mente
Através da palavra escrita,
Repetidamente dita,
No passado e no presente.
Invocar sanidade e demencia,
No suplantar de si próprio.
Sentir sufocante, probatório,
O calor da existência.
Viver no limite do ser,
Perdido em amores profundos.
Entender também outros mundos.
Amar e engrandecer!
Escrever para contar a vida,
O belo que víu e sentíu,
O existir louco, em desvario,
De uma alma assaz vivida!
(João Fernandes)
19.2.05
Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia
Num sonho todo feito de incerteza,
de nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais do que piedade) de tristeza...
Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza...
Um místico sofrer... uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira...
Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa...
E deixa-me sonhar a vida inteira!
(Antero de Quental)
18.2.05
17.2.05
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu nâo.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos
Porque os outros calculam mas tu não.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
16.2.05
De todos os sítios do mundo
onde podia nascer,
Quis o destino escolher
nascesse num País profundo.
Profundo na sua história,
Símbolos, figuras míticas.
De epopeias e conquistas,
Na fortuna e na glória.
Terra de D.Afonso, D.João,
De sofridas gerações.
De Pessoa, de Camões,
Que em poemas nos cantaram.
Éramos grandes, enormes,
Em dimensão e beleza.
Dividíamos o mundo à mesa,
Novecentos anos contados,
os mais antigos da história.
Perecem com dor, sem glória,
De tanto serem esbanjados
Daí para cá o deserto,
A ruína, a demência.
A imensa carência
no assomo do incerto.
Tempos conturbados os nossos.
Trinta anos de loucuras
Remetem as gerações vindouras
Para o pior dos invernos.
(João Fernandes)
Aliemos esta condição a uma outra visível e factual, que diz respeito à falta de discurso político (pela repetição reiterada de um discurso vazio, sem novidade e conteúdo) do candidato socialista e à ausência de poder de convicção de Sócrates - atente-se nas sucessivas repetições e imprecisões linguísticas que denunciam falta de crença: "deixe-me dizer-lhe"(sic) - quando comparado com Guterres (este muito mais persuasor) último 1º Ministro socialista, para se poder esperar que a tendência que as sondagens mostram, (mesmo que os desvios absolutos médios em sondagens anteriores não ultrapassem os 2%), possa neste 20 de Fevereiro ser contradita.
15.2.05
Tem a certeza da vitória do PS. Já se sonha ministro. Pobres cabeças que só sonham com o umbigo.
Ser Pai é ter na Alma retida
O Belo - sentido e puro.
A projecção no futuro,
O prolongamento da Vida.
A sinfonia da vida vivida,
Que se Ama ávidamente.
A envolvente presente
De uma Alma tão Querida.
A alegria, a paixão permanente,
A presença bela e amante,
O frutificar vibrante
De um Amor sólido, pungente.
Coração de amor dilecto,
Terno, doce e ungido,
No beijo mais que sentido
Do paterno carinho e afecto.
E quando a dita palavra sai,
Torno-me solto e caprichoso,
Correndo com amor, ansioso!
E a dita palavra é Pai!
(João Fernandes)
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua...,- unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois...-abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
(José Régio)
"Deverá o corpo da Ir. Lúcia ser trasladado? A sua opinião conta: para sim ligue...., para não ligue...., custo da chamada........".
Não existem comentários possíveis. Só a estupefacção!
Mas uma pergunta impõe-se:
Para quando a morte da 3ª República? É tanto o esforço feito nesse sentido que será quase uma inevitabilidade.
14.2.05
Com duas mãos - o Acto e o Destino -
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o facho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.
Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.
Fosse acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.
(Fernando Pessoa)