21.2.05

Quando o PSD começou a perder as eleições

O PSD começou a perder estas eleições na primeira vitória de Cavaco Silva. De lá para cá assistíu-se a um crescendo de importância da função económica, enquanto mecanismo repressor da vida nacional, ao invés de se estimular os agentes económicos.

O pseudo "milagre" de Cavaco Silva foi conseguido através da conjunção de três factores: a) fundos estruturais que nos chegavam de Bruxelas já etiquetados (facílimos de negociar, como se entende, se forem aplicados onde quem os disponibiliza muito bem quizer); b) fraca cotação do dólar; c) baixa no preço do petróleo. O milagre foi este, nada mais. Durou enquanto durou. Mas o mecanismo repressor manteve-se, criou escola no PSD. Foi assumido como dogma, levado à prática quase por fanatismo. É saudável um controlo apertado sobre a despesa pública, mas já se disse, reiteradamente, que esta despesa é uma moeda de duas faces: uma produtiva e outra consumista. A produtiva deve ser fomentada, particularmente em ciclos económicos depressivos (a política económica anti-cíclica); a segunda deve ser combatida com todas as forças.

A ruína, como ouço bastas vezes a pequenos e médios empresários, começou com a construção das auto-estradas, vias rápidas e quejandas, que nos aproximaram tanto de Espanha, de Madrid e Barcelona, que faz todo o sentido citar Nicolau Santos, embora a propósito de outro tema: "...a Castellana é uma avenida tão grande, tão grande ....que até atravessa o meu País". De facto ficámos à mercê da proximidade de um mercado espanhol imenso, de dimensão tão desigual que só poderia acontecer a Baleia comer a Sardinha, como nos aconteceu.

Aproximou-se litoral e interior, diminuíu-se o tempo necessário às diversas deslocações internas, reduziram-se os custos de transporte, aproximaram-se as populações, mas como não se investíu no referido interior, o êxodo para o litoral foi uma consequência imediata, desertificando aquele e sobrepovoando este, diminuindo drásticamente as condições de vida de todos os envolvidos - os que já estavam e os que foram chegando. Foi este o "milagre" de A. Cavaco Silva. Uma diminuição da actividade económica na classe média, um aumento da miséria. O investimento público e aplicação dos fundos comunitários foi efectuado em alcatrão, não em investigação, formação (o país tem enormes carências nas áreas científicas, nomeadamente ao nível da formação de engenheiros e economistas - somos iletrados económicamente - e uma gritante ausência de formação matemática), centros de desenvolvimento - atente-se no "flop" da auto-europa, enquanto polo aglutinador de novos investimentos na área automóvel (não houve capacidade de exponenciar as externalidades derivadas do projecto, como plataforma de angariação de novos investimentos na área da alta tecnologia), incapacidade gritante de provocar desenvolvimento sustentado em todo o território nacional, aumentando, consequentemente, as assimetrias em vez de as reduzir. Mais razões poderiam ser mencionadas como demonstrativas do falhanço do modelo económico levado à prática.

De seguida veio o Eng. Guterres. Só podia. Era fácil perante tanta inabilidade política e, sobretudo, perante uma imensa insensibilidade social e equívocos económicos transformados em dogmas ! A. Guterres não conseguíu a maioria absoluta por uma unha negra (negro ia ficando, contudo, o futuro político do PSD). Saíu pela porta pequena e mesmo assim o PSD não conseguíu a maioria absoluta. Mau sinal. Sinal dos tempos.

Para rematar tivemos Manuela Ferreira Leite.

Recordo um único episódio (haveria mais): num final de ano , coincidente com um perdão fiscal de juros vencidos, o Estado colocou uma emissão de títulos nos CTT, para cobertura da dívida pública, tendo-se levantado dúvidas quanto às taxas a praticar e respectivos prazos. Os funcionários dos CTT seguiam escrupolosamente as indicações mencionadas no folheto de colocação, mas a Srª Ministra, em directo na TSF, teimava em contrariar as indicações que eram transmitidas ao público e, perante a insistência do entrevistador quanto às informações reais que eram prestadas, respondeu: " Se os funcionários dos CTT estão a dizer isso vão todos presos"(sic). Veio-se a verificar que a Senhora não tinha razão! Nem o facto seria caso para mandar prender alguém, mas ilustra a personalidade e o tacto político. Só mais um, não resisto: quando do aludido perdão fiscal de juros, logo em Janeiro o MP veio a público dizer que o facto dos pagamentos terem sido efectuados não resolvia o problema do crime fiscal. A Srª Ministra alheou-se da questão, afirmando ser um problema do MP. Não era. Era um problema de credibilidade do Governo e da argumentação utilizada para chamar o devedor fiscal a cumprir: ".....é a última oportunidade de regularizar..." .

O cidadão tratado como um criminoso. O aumento da insegurança, da ansiedade, do discurso raivoso. E depois uma educação que não funciona, um serviço de saúde que é uma anedota, uma velhice indigna, a par de posturas altivas, de discursos azedos, de políticos cinzentos, refastelados no seu alter-ego.
Depois ainda as perseguições fiscais, necessárias mas muito bruscas, curtas no tempo, a perseguição à actividade paralela (um non-sense quando pensamos no aumento da taxa de IVA) igualmente necessária mas a necessitar também ela de mais tempo, os vários casos de corrupção a merecerem tratamentos diferentes, a muita corrupção dada à estampa. Desmamar vícios é um trabalho penoso, de grande paciência, sob o risco de o doente ter uma recaída, entrar em depressão ou morrer, se formos demasiado ambiciosos no "timing", ou ainda mais verosímil, fugir.
Por fim Bagão Félix continuou o inevitável, escrito por J. Sampaio, que conhecia bem o caminho que trilhava.
A culpa não pode morrer sózinha e estes resultados eleitorais vêm de longe, a sua responsabilidade também vem de longe, também de outros intérpretes, que curiosamente, se afastaram nos últimos meses da responsabilidade política.
E o eleitorado fugíu.

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