7.12.04

Este blog irá sofrer uma interrupção momentânea de uma semana. Voltará ao activo a 16 deste mês. Até lá estará o autor em NY, cidade que muito aprecia e à qual não se desloca desde Out. de 2002.
Tentarei captar algumas sensações e, se a tanto me ajudar o engenho e a arte, passá-las a escrito neste mesmo sítio.
Até lá....
A Casa Civil do Pres. da República
avançou com explicações que muito pouco explicaram e que deixam, simultâneamente, muitas dúvidas.
Em momento algum se refere à conversa tida com o Prim. Ministro, a não ser para mencionar que a decisão é solitária, ou seja, não negociável com ninguém, razão aventada, igualmente, para a sua comunicação ao PM, mesmo antes de ouvidos os partidos e o Cons. de Estado. Assim o preceitua a Constituição. De facto, a decisão de dissolver a Assembleia cabe inteiramente na esfera de atribuições do PR.
A questão coloca-se ao nível do que foi afirmado pelo Pm e não foi desmentido pelo PR. Se Jorge Sampaio já tinha tomado a decisão na 2ª feira, porque razão não a comunicou de imediato ao PM ?
Tinha evitado que este fizesse convites para preencher o cargo de Ministro deixado vago pela saída de H. Chaves e que se apresentasse no dia seguinte em Belém, com o nome do sucessor, para ouvir da boca do Presidente que, afinal, ía dissolver a Assembleia. Cheira a atitude pouco pedagógica, com a mesma lógica com que há muitos anos atrás, na primária, se distribuíam réguadas quando se davam erros nos ditados, ou se tinha um comportamento considerado à época, menos aceitável. Ficamos sem saber se o PM não sabe escutar ou ler nas entrelinhas do discurso político do PR, ou se este pretendia arrastar a novela da dissolução por mais um ou dois dias, permitindo que o PM afirmasse perante o País que a situação era de entendimento entre os dois oórgãos de soberania e que o governo não caíria, para de seguida o desdizer, comunicando-lhe o contrário. No comunicado da Casa Civil do PR não perspassa, em momento algum, que a conversa de 2ª feira tenha sido mal entendida pelo PM - afirma-se que a situação não era passível de discussão - ficando-nos, então, a segunda opção como a mais viável e, se assim for, a mais incorrecta.
Igualmente se diz que o Sr. PR comunicou as razões ao PM e, também, embora posteriormente, ao Pres. A. República. Mas não o fez ainda aos portugueses.
É, então, perfeitamente corrrecto que o PM não se tenha referido a essa conversa, esperando que o PR, ele próprio, dê essa satisfação à população, explicação que lhe é devida. Errou de novo o PR, a menos que esperasse que o PM furasse as regras básicas da educação e confiasse, públicamente, o teor de uma conversa privada. Não o poderia fazer e não o fez, a meu ver bem.
Sai desprestigiado o PR e o cargo que ocupa, bem como a importancia que lhe merece o a função de PM. Sai descridibilizado o sistema político. Permitíu ser colocado numa situação que poderia prefigurar um golpe de estado institucional, ou melhor, constitucional, dentro dos poderes permitidos pela Constituição. Permitíu que se questione a sua isenção e independencia perante o fenómeno político.
Aguardam-se com expectativa as razões que irá transmitir ao País na próxima sexta-feira.

6.12.04

A Gestão da Crise - Cap. II
A política tem a capacidade de nos galvanizar, quando bem interpretada, permitindo uma série de julgamentos e opiniões sobre as atitudes polítcas tomadas ou assumidas e, não poucas vezes, atingir objectivos que não estavam inicialmente previstos, ou, ao invés, redundar em enormes fracassos. Na realidade, é empolgante no seu jogo de inteligências, da"carta" que se joga, na dúvida que reside até ao fim se é "joker" ou não. Jorge Sampaio aguardou até ao momento em que se convenceu que o executivo estava esgotado, no discurso e pose políticas e no conteúdo programático. Em suma, supostamente um Governo sem soluções, com a agravante de ter toda a imprensa a pressionar de uma forma tremenda a opinião pública. Não me recordo de tamanha pressão nos últimos anos, nem mesmo quando A. Guterres "fugiu" à responsabilidade governativa. E mesmo sem a aludida pressão, A. Guterres não aguentou - note-se que não foi empurrado.
Jorge sampaio empurrou a maioria para fora do Parlamento, fez cair o Governo e, no entanto, ainda não explicou as suas razões, escudando-se em argumentos que, de tão frouxos, não conseguem esconder a realidade: J. Sampaio está à espera dos movimentos da maioria. E o que faz esta maioria entretanto ?
Apressa-se a aprovar o OE 2005, antecipando a sua votação e colocando, assim, um ponto final nas expectativas geradas em torno dos valores de aumentos na função pública e quando a sua aplicação - sabemos agora que podem ser aumentados todos os funcionários a partir de Janeiro do próximo ano, sem necessidade de recorrer a retroactivos, que as bolsas depauperadas não podem esperar - quais as mexidas no IRS e suas implicações, quais as diversas dotações orçamentais. Está aprovado o orçamento e agora venha de lá a oposição explicar com o que é que não concorda e porque razões e, acima de tudo, avance com soluções, ou seja, como é que faria se fosse governo. O diálogo está muito cingido, a maioria quase domina o espectro possível de discussão política no período que medeia entre esta aprovação e as eleições. Há um documento de base que vai servir de mote e há também o tema "scuts" e outros que marcaram estes quatro meses. Mas são todos "dossiers" que a maioria parlamentar, o governo e o Primeiro Ministro dominam.
Continua a pairar o risco do envio do documento pelo PR para o TC, para apreciação, que entretanto aquele dissolva o Parlamento e que o orçamento precise uma segunda votação para ser aprovado. Mas fica ultrapassada a responsabilidade pela não existência de um documento chave que permite aumentar o rendimento das famílias - directa, indirectamente e como indicador - para avaliar o desempenho do estado no próximo ano e, assim, impedidindo as entidades internacionais de perceberem qual o rumo que vai ser tomado pelo País, no que diz respeito às finanças públicas e plíticas de investimento, pelo menos até Junho de 2005, ou seja, meio ano. E acredite-se ou não, o primeiro semestre será sempre bastante condicionador do segundo, sobretudo em termos económicos.
A verificar-se este cenário, o discurso já iniciado de hostilidade "moderada" para com o PR e a sua postura política, subirá de tom. Jorge Sampaio está em segundo mandato, sabe-se que não depende de opiniões favoráveis ou desfavoráveis para se eleger, porque simplesmente não pode, mas não quererá e, principalmente, o PS não estará interessado que um Presidente afecto às suas cores políticas saia sobre forte ataque de uma fatia muito larga do eleitorado nacional. É curioso reparar como os segundos mandatos seguem um princípio comum: Ramalho Eanes atacou fortemente PS e PPD para criar espaço político para o PRD, um balão que tal como encheu se esvaziou, à imagem do seu progenitor. Mário Soares atacou fortemente A. Cavaco Silva, criando espaço para o seu PS e para a esquerda. Jorge Sampaio segue, igualmente, uma lógica partidária. A diferença está nos métodos e, enquanto que Mário Soares, raposa política, soube terminar sob chuva miudinha, Jorge Sampaio arrisca sair sob forte aguaceiro, ou enorme tempestade, se esta maioria se repetir no Parlamento. Acreditem, uma vez mais, que nada está decidido, que todos os resultados são possíveis e, que muito provávelmente, a maioria será a mesma no final de Fevereiro. Continuando.....
Sem respostas por parte do PR quanto às razões, também não sabemos ainda se esta maioria vai coligada. Eu creio que vai, mas na realidade ainda não sabemos, porque ainda não nos disseram. O PSD está disposto a encetar conversações e o CDS/PP está a ouvir "quem é quem" no partido. Entretanto aguardam-se as razões do PR e desgasta-se a comunicação social.
Alberto João Jardim, mordaz nas suas críticas, goste-se ou não, faz as primeiras despesas sérias da campanha. Pedro Santana Lopes aquece os motores e as bases começam a ficar motivadas. Paulo Portas mantém-se sereno, confiante e acima de tudo confiável, com grande sentido de estado. O eleitorado de direita começa a acreditar. As vozes que sopram ventos contrários ou estão descridibilizadas, ou interesseiras ( Cavaco Silva crê que os portugueses nunca elegerão uma maioria e um Presidente e, assim...) ou são dinossauricas. Cheira a 1978, a 1980, cheira a política. E assim cheira, porque são políticos os dois presidentes dos partidos da maioria. Pode o País não melhorar, a crise acentuar-se, cenário que nos espera em 2005 e 2006, mas este "gozo" político, para quem gosta de polítca ninguém o tira. Até porque a solução para Portugal provávelmente não passa por nenhuma das actuais políticas..........
Até lá, deixem-nos saborear a verdadeira política, viva, inteligente, de rua e não a que vínhamos tendo, de gabinete, cinzenta, interpretada por cinzentões.

5.12.04

Partilha de leitura dominical, que de muitas e ricas formas se alimenta o espírito.
Epígrafe
Murmúrio de água na clepsidra gotejante,
Lentas gotas de som no relógio da torre,
Fio de areia na ampulheta vigilante,
Leve sombra azulando a pedra do quadrante,
Assim se escoa a hora, assim se vive e morre...

Homem, que fazes tu? Para quê tanta lida,
Tão doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça?
Procuremos somente a Beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida,
Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa...


(Eugénio de Castro)

SONETO
Pára-me de repente o pensamento
Como se de repente refreado
Na doida correria em que levado
Anda em busca da paz do esquecimento

Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára um cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado.
Pára e fica, e demora-se um momento.

Pára e fica, na doida correria.
Pára à beira do abismo, e se demora.
E mergulha na noite escura e fria

Um olhar de aço, que nessa noite explora.
Mas a espora da dor seu flanco estria,
E ele galga e prossegue sob a espora...


(Ângelo de Lima )

4.12.04

Hoje é dia de recordar Francisco Sá Carneiro, no aniversário da sua morte, pela frontalidade com que assumíu a vida, pública e privada, sem constrangimentos.
Viveu, com toda a certeza, feliz e certo de, em consciencia e acima de tudo, se respeitar a si próprio, assumindo nessa atitude o respeito para com todos os outros.


Situação com alguma piada
caso não estivessemos a falar de Portugal e dos portugueses.
O PR esqueceu-se de comunicar ao Pres. da Assembleia da República, segunda figura do Estado, a intenção de dissolver o Parlamento, mas não pode explicar as razões que o levaram a essa atitude porque ainda não conversou com os partidos polítcos e não convocou o Conselho de Estado. É de gargalhada!



A Questão dos PPR e Outros
Muito se discutíu e discute a implicação do fim dos benefícios fiscais, em sede de IRS, para os vários planos poupança oferecidos pelo sistema financeiro. A começar naturalmente pela banca, primeira interessada nestes instrumentos financeiros - já explicamos porquê.
"First is first": o Estado-Providência tem uma carga financeira enorme e uma responsabilidade social difícilmente mensurável, no que diz respeito a todos aqueles que já se retiraram e se irão retirar nas próximas décadas do mercado de trabalho e esperam, licitamente, receber uma contribuição mensal do Estado calculada com base nos descontos efectuados durante anos de trabalho. O sistema funciona com base na confiança e nada mais. Todos acreditam que aqueles que entram no mercado de trabalho descontarão para a segurança social e assim irão alimentar o sistema que permita aos que se retiram receber a contrapartida esperada.
O primeiro problema surge quando, por condições como a melhoria das condições de saúde da população, aumentando a esperança média de vida, a diminuição da taxa de natalidade, por razões que têm a ver com a expectativa de acesso a determinados bens e serviços as famílias tenderem a ter menos filhos e assim a aumentarem o rendimento dispomível e a não compensação destes factores pela diminuição da taxa de mortalidade infantil, o envelhecimento da população acaba por ser um facto e as despesas sociais são maiores que as receitas que lhe são afectas. Assim, temos cada vez menos contribuintes líquidos para fazer face a um aumento crescente das transferencias do Estado para as famílias.
Necessário se torna criar alternativas ao sistema, que caminha para a ruptura. Mas as alternativas só serão fiáveis se gozarem de confiança idêntica à gerada pelo Estado-Providência. O sistema financeiro está bem posicionado para o garantir. As instituições bancárias gozam de privilégios enormes de confiança e de imagem de solidez, que vêm dos tempos em que a banca inglesa dominava o sistema financeiro internacional, portanto bem sedimentada no tempo. Faz assim todo o sentido que a população activa procure, de uma forma crescente, o sistema financeiro para efectuar planos poupança.
O que não faz sentido é que estes planos poupança sejam na prática puras aplicações financeiras, com remunerações superiores aos depoósitos a prazo.
E não faz sentido porquê ? Porque a taxa de remuneraão que a banca pratica é inferior à que paga nos depósitos bancários a prazo, sendo através do benefício fiscal dessas poupanças que a remuneração do capital é obtida. Ou seja, é através daquilo que o Estado deixa de receber que a remuneração é efectuada. E é-o fundamentalmente para aqueles que têm capacidade de descontar até ao máximo permitido pelo código do IRS e durante cinco anos. Não abrange todos, só alguns e os que estão mais protegidos económica e financeiramente.
A situação é incorrecta e havia que alterar o sistema. Só que talvez a solução encontrada tenha sido a mais fácil e, assim, a que menos se ajusta às necessidades do Estado-Providência. Há que fomentar a poupança através de instituições privadas. Para tanto a população tem de sentir que colhe benefícios através dessa opção - não se pense que é fácil passar a mensagem de que o sistema de segurança social vigente, a não haver alterações, irá forçosamente implodir - e para esse efeito, a capacidade de repercurtir fiscalmente essas poupanças parece ser uma boa motivação. Terá de se ter em atenção sim, a necessidade dos contratos a efectuar junto das entidades financeiras contemplarem prazos de pagamento do capital que tenham a ver com a idade normal de reforma dos cidadãos e, muito provávelmente, ao invés de um reembolso único pelo montante do capital vencido, ser liquidado mensalmente, à imagem do procedimento do Estado.
O problema reside nas competências da banca em gerir carteiras de capitais com estas características e qual o nível de risco que estão dispostos a correr.

3.12.04

Ilusão
A brisa suave bate na cara. Uma madeixa deixa-se embalar na fronte e o sentimento de liberdade é enorme.
Reve-se numa enorme planície, verdejante, despojado de bens materiais, livre de espírito, sem preconceitos.
Imagina como seria se todos pudessem gozar de momentos como aquele.
Seria decerto tudo mais fácil, o relacionamento mais calmo. Haveria menos pressão. Que bom seria!
Arruma a lancheira, levanta-se, desliga a ventoínha e volta ao trabalho.


Ou o Défice ou o Crescimento Económico

O PEC aponta para duas preocupações fundamentais : coordenação das políticas orçamentais (gestão do euro. Limitador de tendências laxistas de países menos desenvolvidos - caso de Portugal) e crescimento (aproximação aos EUA e Ásia, através da inovação e competitividade).
No caso de Portugal - e até por que a França e Alemanha já incumpriram nos limites fixados para o défice orçamental - é de todo despropositado que se tenha como obectivo único e a roçar o fanatismo, o cumprimento do limite de 3% para o défice, ainda mais quando o objectivo é atingido sistemáticamente pela realização de receitas extraordinárias, que por definição são irrepetíveis.
A recuperação do crescimento económico assume-se como dramático. Os indicadores de crescimento portugueses afastam-se irremediávelmente da média europeia - 2001 UE15 1,7 Portugal 1,5; 2002 UE15 1,1 Portugal 0,4; 2003 UE15 0,8 Portugal -0,8; 2004 UE15 1,5 Portugal 0,5; 2005 UE15 2,0 Portugal 0,8.
Tendo em atenção os números, enveredar pela continuidade do contole do défice orçamental ( para Portugal 2001 -4,2; 2002 -2,7; 2003 -2,9; 2004 -3,2; 2005 -4,0 ) deixará de ser uma questão de fanatismo puro para se tornar decididamente num caso de fanatismo suicidário.
São necessárias taxas de crescimento superiores à média europeia e, para tanto, necessário se torna desenvolver todos os esforços no sentido de incrementar fortemente o investimento interno e externo, de apoiar as empresas nos processos de internacionalização, de alargar a base produtiva da economia nacional.
Investir e promover investimento não significa enveredar pelo despesismo ( este só será assim considerado se fôr não produtivo e, óbviamente, deve merecer um controle muito apertado ) mas sim afirmar plenamentre que as reformas estruturais de que o País tanto carece só se conseguem obter em ambiente dinâmico e não em ambiente recessivo.
Basta pararmos para pensar quantas vezes dizemos por dia que o País vai mal, que o desemprego aumenta, que as empresas fecham, que a economia estagnou, que o comércio está falido........e não é necessário saber de economia para se perceber tudo isto. A crise chegou à rua.
Tecnocratas monetaristas como M. Ferreira Leite e A. Cavaco Silva são de todo desnecessários. Não têm visão estratégica de longo prazo. Bom, não têm visão de todo, porque de curto prazo todos temos.

2.12.04

Ratoeira a Evitar
"Então acredita que é dono da fórmula da vitória. Consegue transformá-la num diagrama e verificar se este se ajusta à grelha que préviamente definíu. Funcionou bem no passado. Óptimo!
Até que, por fim, se apercebe que perdeu a oportunidade de realizar a própria vida".

1.12.04

A Questão Orçamental
A posição da coligação governamental é clara e, simultaneamente, lógica e políticamente correcta, no que diz respeito ao OE 2005.
As razões de dissolução da maioria parlamentar, embora ainda não explicitadas pelo Sr. PR, em clara falta de respeito por todos nós, pois deveriam ter sido avançadas de imediato, porque todos necessitamos de saber, in tempo, as razões para tão gravosa decisão, parecem pender, preferencialmente, para críticas violentas ao OE de 2005, no sentido de este se afastar dos critérios de rigor exigidos pelo próprio PR aquando da tomada de posse deste Governo, concorrendo simultâneamente medidas como o não abaixamento do IRC, mexida nas taxas e fim de benefícios fiscais em sede de IRS, sendo as restantes situações - todos os "fait divers" que fizeram a história deste governo em 4 meses - razões acessórias e não fundamentais para justificarem tal posição política.
Pretende agora o PR que o Governo, por ainda não estar destituído, através da maioria parlamentar, faça aprovar o OE 2005, carregando para cima deste o ónus da sua não aprovação. Ou seja, se económicamente o País se ressentir da ausência de um OE, então a culpa vai inteirinha para o executivo. Vale a pena acrescentar, neste momento, que as consequências económicas se farão sempre sentir, com ou sem orçamento aprovado.
Na realidade o País está sem Governo e se existem carencias da máquina administrativa do Estado que são apontadas como factor condicionante do aumento do investimento, caso da falta de transparencia com que o Estado português é frequentemente etiquetado, então que dizer do País quando este não tem Governo de facto e em plenitude de funções autárquicas centrais!
Imagine-se, então, o cenário de aprovação do OE 2005 pela maioria parlamentar com respectivo chumbo posterior do PR. O chumbo seria justificado pela própria acção de dissolução do Parlamento, porque o OE tinha sido a razão fundamental desta posição presidencial. A maioria ficaria em posição delicadíssima, com um Governo de gestão e em período pré-eleitoral.
Imagine-se agora o PR a vincular-se à aprovação do OE 2005 pelo Parlamento. Que razões poderá invocar para a dissolução anunciada ? Tricas de gabinete ? Zangas entre amigos ?
Ficaria a questão: quais as verdadeiras motivações do PR ? E que explicações vai aventar para se justificar perante os portugueses ?
E se o Orçamento de Estado para 2005 é bom para o País não será este um sinal claro de que o Executivo conhece bem as realidades e necessidades de Portugal ?
No que ficamos então: presta ou não presta ?
Tem a palavra Jorge Sampaio. Se avalizar o OE fica sem argumentos. Se não o apadrinhar fica com o ónus.
Não lhe fica bem contudo e em nenhuma circunstância, passar a imagem de querer ganhar tempo ao mesmo tempo que armadilha o caminho dos opositores políticos. Até porque já mostrou, como sábiamente o referíu J.A. Saraiva este Sábado, que não é Presidente de todos os portugueses, mas só de alguns.
Reflexão a Propósito de Uma Crise - Parte I
Nas últimas décadas, em especial desde que Aníbal Cavaco Silva foi PM de Portugal, tem-se assistido à mudança progressiva - e até agora imparável - do pensamento político pela tecnocracia.
Igualmente a escola económica do B. de Portugal imperou nos últimos anos: a escola dos monetaristas - os economistas que entendem que as pessoas existem para servir a economia.
ACS mantém-se como grande referencia da política portuguesa, mas contudo e paradoxalmente, ACS é tudo menos político. É um tecnocrata que gozou do privilégio de ver em simultaneo, no 1º mandato, baixar o preço do petróleo e assistir a uma desvalorização do dólar americano, que a par dos fundos estruturais entrados pela porta de Bruxelas, lhe permitiram 4 anos de suposto crescimento e grande sucesso e um 2º mandato em que foram já visíveis, em face da ausencia de ajudas externas como as referidas, as suas diversas dificuldades de entendimento de uma economia que se quer virada para os indicadores sociais e não para dados estatísticos económicos. ACS não chamou a Portugal investidores estrangeiros, não fomentou uma política de educação virada para o conhecimento e não tratou de cuidar a saúde primária da população. Ao invés, negociou "dossiers" com a prioridade assente na construção de uma rede viária que aproximava populações, mas também reduzia a importancia que Portugal, enquanto mercado diminuto no conjunto do grande mercado ibérico, ainda poderia ambicionar ter como polo agregador de IDE. Todos estes "dossiers" gozaram de uma excelente aceitação por parte do nosso parceiro comercial espanhol, hoje responsável por cerca de 60% das nossas exportações, na medida em que Portugal e Espanha, conjuntamente, constituem um mercado superior ao mercado francês em número de consumidores, sendo neste plano, no número de consumidores e na sua matriz, que se jogam os destinos do IDE.
A ausencia de "spillovers", que o investimento automóvel em Palmela demonstra cabalmente pelo sua incapacidade de criação de polos de crescimento industrial relacionados, não sofreu qualquer alteração, pelo contrário, pelo facto da rede viária portuguesa ter aumentado em kms de auto-estradas e se ter reduzido, temporalmente, as distancias entre agregados populacionais. Esta política levou à criação de riqueza individual - a grande distribuição - mas não levou ao aumento da riqueza do País. ACS cometeu o mesmo erro que Espanha havia cometido 10 anos antes, gerando ricos mas não gerando riqueza.
Mesmo o investimento de Palmela, estandarte tantas vezes erguido, não atingíu os valores inicialmente previstos de novos empregos gerados directa e indirectamente e veio a obrigar o País, uns anos mais tarde, a negociar com dificuldade e enormes custos a manutenção da exploração fabril, sob pena de caírem cerca de 15% do valor absoluto das exportações portuguesas e cerca de 55% se considerarmos os bens de maior valor acrescentado. Ou seja, a economia nacional, no que se refere a bens de elevado valor tecnológico, está refém da Auto-Europa.
ACS não conseguíu fomentar, em Portugal, a eficência e sem esta não existe realmente produtividade. Sem sermos produtivos não podemos aspirar a ser competitivos. Daí que tantas vezes se confunda competitividade com produtividade nos discursos políticos. A verdade é que uma anda a par da outra. Se fôssemos eficientes a Auto-Europa ter-se-ia constituído num polo agregador de IDE, conforme nos explica tão bem os novos conceitos de geografia económica.
ACS foi então um bom guarda-livros, com as contas sempre certas, mas foi um economista redundante e, sem dúvida, prestou politicamente um mau serviço ao seu País.
A escola de Ferreira Leite é a mesma. Compreende-se então, que a despesa do Estado seja sistemáticamente confundida, enfiada num mesmo saco, seja ela produtiva ou não produtiva.
A preocupação dos governos, tenham a côr polítca que tiverem, deverá debruçar-se sobre a despesa estatal não produtiva. A despesa produtiva, ou seja, o investimento estatal, cria défices num primeiro período, mas gera igualmente receitas, tanto no mesmo período, consoante o tipo de investimento, como de certeza em períodos subsequentes, aumentando assim a riqueza - o PIB - e a capacidade de fazer face aos compromissos futuros. E não se pense que os investimentos estatais se confinam à construção civil e obras públicas. Na realidade vão muito além destes.
Estes investimentos são tão mais importantes, quanto é certo terem os estados, por via da adesão À UE, perdido as suas principais fontes de receitas - impostos e taxas aduaneiras. As receitas, hoje, confinam-se aos impostos sobre o rendimento e o consumo e estes estão largamente dependentes das condições de vida da população, da capacidade produtiva do País, da sua competitividade e da capacidade de atrair e reter capitais.
Não se percebe, então, que agentes económicos com responsabilidades, ataquem um executivo que pretendia, por via orçamental, fomentar o investimento público, substituindo-se ao investimento privado, receoso e apático, contribuindo por esta via para um aumento na confiança dos agentes económicos, levando numa primeira fase ao aumento do consumo e de imediato ao incremento do investimento privado, por indução do próprio mercado, leia-se aumento da procura. É a polítca contra-cíclica, a política económica correcta, a que considera ser a economia uma ferramenta que deve ser utilizada para servir o interesse das populações.
O problema surge quando, tantos anos passados, temos como PM um político e não um tecnocrata. Quando temos alguém que, por definição, sendo político corre riscos mas tem igualmente ideias - o demagogo - e se prepara para cortar com o passado recente, aplicando um conjunto de medidas que perseguindo um fim político se arriscam a colocar a nú a fragilidade dos "poderes" instituídos e, mais ainda, a ausência total de ideias para a condução de um País à deriva.
A persistência nos erros pode resultar em solução para os problemas. Estes deixam de o ser por corresponderem na exacta medida aos erros cometidos.
Talvez por isto e com isto, se oiça com força cada vez maior a germinação da ideia de uma aproximação ibérica. Talvez os lugares se estejam a jogar a outro nível, ao nível regional, à dimensão exacata da pequenez que caracteriza o pensamento político português e europeu no dealbar do séc. XXI.