30.4.05
(Mendes Ferreira)
SONETO
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está a minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como um acidente em seu sujeito,
Assim coa alma minha se conforma.
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.
Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que para mim foi sonho nesta vida.
Lá numa soidade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro para ela; e ela então parece
Que mais de mim se alonga, compelida.
Brado: - Não me fujais, sombra benina!
Ela, os olhos em mim cum brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser,
Torna a fugir-me; e eu, gritando: - Dina...,
Antes que diga mene, acordo e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
(Luis de Camões)
29.4.05
O BARREIRO E A CUF (3)
O NAVIO DE ESPELHOS
não navega, cavalga
Seu mar é a floresta
que lhe serve de nível
Ao crepúsculo espelha
sol e lua nos flancos
Por isso o tempo gosta
de deitar-se com ele
Os armadores não amam
a sua rota clara
(vista do movimento
dir-se-ia que pára)
Quando chega à cidade
nenhum cais o abriga
O seu porão traz nada
nada leva à partida
Vozes e ar pesado
é tudo o que transporta
(E no mastro espelhado
uma espécie de porta)
Seus dez mil capitães
têm o mesmo rosto
A mesma cinta escura
o mesmo grau e posto
Quando um se revolta
há dez mil insurrectos
(como os olhos da mosca
reflectem os objectos)
E quando um deles ala
o corpo sobre os mastros
e escruta o mar fundo
Toda a nave cavalga
(como no espaço os astros)
Do princípio do mundo
até ao fim do mundo.
(Mário Cesariny)
27.4.05
NOS 10 ANOS DA AUTO-EUROPA,
- Razões de sobejo para que se reconheça a valia do empreendimento, mesmo que se apontem erros na condução estratégica da criação de externalidades, que pudessem conduzir a região de Palmela e o Distrito de Setúbal a gozar dos benefícios de uma zona geográfica, reconhecida internacionalmente, como forte polo económico da industria de componentes e capaz de canalizar novos e duradouros investimentos.
- Senão vejamos: as economias nacionais perderam instrumentos de receita importantes, caso dos direitos aduaneiros; assumiram custos elevados quando por força do tratado de adesão à UE se obrigaram a adquirir aos parceiros europeus produtos básicos, na sua maioria subsidiados, que anteriormente adquiriam a países externos à UE em condições mais vantajosas (desvio de comércio); perderam a capacidade de mexendo na moeda, momentaneamente, criarem condições de aumentar a competitividade dos seus produtos em mercados terceiros, aumentando por via indirecta as receitas fiscais; perderam, por fim, o instrumento taxa de juro.
- Mas então, se as receitas do estado diminuem drásticamente, não deverá quem governa procurar ainda com mais afinco receitas alternativas que conduzam a uma substituição, no mínimo, daquelas que se deixam de realizar? E dizemos "ainda com mais afinco", por comparação com o gestor que vendo a sua empresa reduzir drásticamente a facturação, procura formas alternativas de manter o volume de negócio, o mesmo é dizer, o volume de receitas, sob o risco de ter de fechar a empresa e mandar toda a gente para casa viver "à custa" do Estado. Daí o "mais afinco" "entchendeu?"
- Ficámos a saber, na passagem dos 10 anos da inauguração que, por cada euro financiado pelo estado portugues, a Auto-Europa multiplicou-o catorze vezes e meia (14,5 euros por cada euro subsidiado). Espante-se agora o leitor: o Estado é capaz, através de investimento que não o de mandar cosntruir estradas, pontes, escolas, hospitais e prisões, multiplicar o seu investimento catorze vezes, o mesmo é dizer, o Estado é capaz de multiplicar o NOSSO dinheiro e o que vai buscar EMPRESTADO catorze vezes. Aqui diz o leitor acisado: mas assim o Estado vai criar défice nas contas públicas! POIS VAI! E DEPOIS? Já aqui dissemos que há défice e HÁ DÉFICE! O primeiro é o da despesa não produtiva e tem de ser combatido; o segundo é produtivo e por tanto, BEM-VINDO! e é bem-vindo porque gera receitas futuras e estas por sua vez geram novas receitas. Desta forma o Estado consegue fazer face às despesas com a saúde, a educação, a investigação, o desenvolvimento social, a velhice. O Estado garante dignidade para si, ou seja, para todos nós, através do somatório das receitas fiscais, justas no calculo e na aplicação em cada momento, e nas receitas geradas pelos investimentos directa e indirectamente promovidos pelo estado, eles próprios geradores directos e indirectos de acréscimo nas receitas fiscais.
- Temos assim défices bons e défices maus. Outra conclusão se tira: o Estado tem de intervir de uma forma mais eficaz na economia e, muito embora custe aos que defendem doutrinas liberais, que tão bem são acolhidas junto do capital, a verdade é que o Estado-Providencia moderno tem de encontrar soluções fora da política económica do "laissez-faire", tem de se tornar mais interventivo, para desempenhar cabalmente o papel económico e social que lhe está reservado.
Por este conjunto de razões se defende a aplicação de uma política conservadora não-liberal, com intervencionismo directo do Estado na vida económica como solução para um Portugal carente, incapaz de gerar investimento e necessitado urgentemente de um abanão forte na desconfiança dos agentes económicos, que o coloque no rumo do crescimento acelerado, gerador de receitas fiscais capazes de, a termo, respeitarem os compromissos assumidos com os cidadãos e que recupere o tempo e oportunidades perdidas. A História repete-se, mas sempre com "nuances" diferentes e com acrescida dificuldade. Porque os tempos são sempre outros, as crises tendencialmente cada vez mais prolongadas e a bonança económica temporalmente mais curta.
26.4.05
Foice em Seara Alheia, mas aos 80 Anos...
AMIGO
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
(Alexandre O’Neill)
25.4.05
No quadro podemos ver, ao centro e em primeiro plano, a fragata Rainha de Portugal(46 peças), comandada pelo próprio Napier, depois da abordagem à nau Rainha de Portugal, com pendão branco de D. Miguel - um navio muito maior e com duas baterias (76 peças). Depois, passando-lhes pela popa (com o pendão azul e branco de D. Maria), está a fragata "D. Pedro"(48 peças), manobrando para a abordagem por sotavento. À proa, e um pouco mais arribado, está a nau D. João VI, navio chefe dos absolutistas, e à popa a fragata Martim de Freitas, desarvorada do mastaréu do velacho
O MOSTRENGO
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse, «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo,
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse,
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
(Fernando Pessoa)
O INFANTE
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
(Fernando Pessoa)
O 25 de Abril e a Descolonização
muito se escreveu e disse, mas sempre inserido num discurso aceite pelo sistema, conivente com o sistema e, acima de tudo, suportado pelo sistema.
- A razão que conduz a atitudes de aproximação de Portugal, por parte de Cabo Verde, Cabinda (há pouco tempo assumida aquando da crise com o governo angolano e o pedido expresso de controle político e militar por parte de Portugal), de São Tomé e Principe e a atitude de extrema simpatia para com os portugueses, que se vive em Angola, quando visitamos aquele país e contactamos com a sua população, mostra claramente como a presença portuguesa deixou laços e sentimentos profundos, de amizade e respeito. Não esqueçamos que a realidade vivida em Moçambique nada tinha a ver com a atitude assumida nas outras províncias para com os otóctones, pelo que o seu distanciamento tem, forçosamente, outras leituras.
- A possibilidade de Portugal se constituir na primeira ex-potencia colonial a assumir, no seu seio, de novo, países saídos de processos de descolonização parece tolher a vontade política do país, como se essa excepção colocasse em causa as outras ex-potencias coloniais (ingleses, franceses, belgas, alemães) agora parceiros nesta canseira em que se tornou a Europa. O comportamento efectivamente colonizante, de prepotência e distanciamento em relação aos povos colonizados, nunca foi assumido por Portugal. O nosso país e a sua população conviveram, em harmonia, com os naturais dos territórios colonizados, misturaram-se, aceitaram-nos na sua sociedade (ressalva-se Moçambique, provávelmente pela influência próxima da África do Sul).
- Cabo-Verde já, por duas vezes, requereu a Portugal a sua inserção no espaço político e económico portugues, com um estatuto identico ao das regiões autónomas. Essa vontade foi-lhe negada outras tantas. As alterações políticas sofridas pelos povos, que se constituiam numa força da imensa heterogeneidade portuguesa e uma sua imagem de marca, tiveram um imenso reflexo nas condições socias, de saúde e dignidade humana, situando as provincias ultramarinas entre os paises mais pobres do mundo, analise-se porque prisma se quiser a performance desse paises. A pressa com que o processo de descolonização foi conduzido nada teve a ver com perca de influencia política e militar de Portugal em África, mas tão só com a vontade polítca de uma dúzia de "maus portugueses", que forçando os acontecimentos, a coberto da "revolução dos cravos" e da nuvem de fumo derivada, agiram na maior das impunidades e com o caminho totalmente livre. Situam-se entre estes "maus portugueses" homens como Mário Soares, Otelo, o "talhado num cepo", o "rolha", todo o "grupo dos nove", entre uns tantos outros.
- Aliás, o "25 de Abril" terá sido, estou certo, a maior reinvidicação salarial a que a História Universal já assistíu. Nada mais do que isso. Nada a favor da liberdade, da democracia, do povo e de todos esses chavões. Tudo a favor do oportunismo e da fraqueza de um Primeiro-Ministro que nunca o deveria ter sido, porque ansiava pela liberalização do regime, sentia essa necessidade, mas não mostrou nunca a força suficiente para controlar os "ultras" e optou, erradamente, por dar ouvidos a um outro homem, Spínola, conhecedor da instituição castrense e dos problemas específicos da Guiné, mas totalmente desconhecedor das outras realidades africanas, bem como de qualquer conceito político, da forma, conteúdo e discurso político. O livro que publicou foi um imenso erro de "casting". A sua autorização um imenso erro estratégico. Spínola apercebeu-se de tudo isso, já em 1974, mas voltou a tentar emendar a mão, através de processos que só realçaram a sua impreparação política e social para o cargo e responsabilidade que pretendeu desempenhar após o "25 de Abril".
- Depois, a uma ditadura inteligente, mesmo mesclada com laivos de provincianismo, seguíu-se não uma democracia, mas uma partidocracia, nalguns aspectos muito mais feroz e inibidora das liberdades individuais que a própria ditadura. Os problemas sociais agravaram-se, com um distanciamento crescente entre aqueles a quem a vida sorri e todos os outros, que de acordo com os últimos dados económicos são já 2 milhões, que vivem no limiar de pobreza ou mesmo abaixo. A saúde é só para aqueles que têm a sorte de contar com um médico na família, ou pelo menos com algum profissional no sector da saúde. A educação atinge níveis baixíssimos ao nível da formação cultural e profissional, sendo particularmente grave o ensino da matemática, da física/química e da própria língua pátria. O desemprego é crescente.
- A liberdade de discussão de temas políticos, de dizer o que se quer, quando se quer, é mais aparente que real. Não só porque as perseguições existem, de facto, mas também porque o discurso político perdeu importancia, acutilancia. A classe política perdeu credibilidade, deixou de ser representativa.A descolonização encetada em 25 de Abril de 74, finalizada em Agosto de 75, servíu um motivo único: a passagem de um cheque em branco à URSS, consagrado na entrega de Angola aos interesses soviéticos. A URSS já não tinha capacidade, na altura, para descontar esse cheque, mas fomos nós, portugueses e angolanos, acrescidos dos naturais de todas as outras províncias ultramarinas, que tinham de ser autonomizadas para justificar a entrega de Angola aos interesses soviéticos, que pagaram fundo as faltas de patriotismo e de desinteresse nacional, ultrapassados por obscuros interesses privados, de alguns dos políticos e militares que estiveram na génese do 25 de Abril e da "descolonização exemplar", que conduziram um país outrora independente, para a miséria de dependencia em que nos encontramos.
24.4.05
24 de Abril de 1974, ao início da noite.....
22.4.05
O Amigo...
E com tanto me deslumbro.
De convicções me acostumbro!
Mas depressa compreendo
Que só bens materiais serão,
E quanto estou ainda longe, da verdade e da razão!
É então interpretação, conhecimento, análise,
Que se encontram ausentes.
Mas serei eu capaz, sozinho,
De libertar preconceitos e julgar correctamente ?
A partilha o Início, a conduta o Meio
E o mundo interno a Mente -
A trilogia que é princípio e fim
Alfa e Ómega presentes.
Procuro a luz e a verdade
Na rectidão, justiça e verticalidade.
Agora sim a construção faz sentido – Universalidade!
A sabedoria, força e beleza,
(João Fernandes)
EROS E PSIQUE
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
de além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra a hera
A princesa que dormia.
(Fernando Pessoa)
21.4.05
Afirmações de Miguel Torga após o 25 de Abril
Recordando Miguel Torga
Nesses doirados paços de Lisboa;
Por isso a pátria há-de perder o rumo
Das muralhas de Goa."
(Miguel Torga pesaroso, no pesar de Afonso de Albuquerque)
Apropriado aos acontecimentos funestos da "descolonização exemplar"
e ao comportamento dos políticos pós- 25 de Abril, onde a democracia,
esperança mirífica, àvidamente defendida por uns tantos intelectualmente
honestos, se esfumou numa partidocracia, mais feroz e repressiva que
"l´ancien régime".
Portugal acaba em fumo e sem rumo!
20.4.05
É preciso criar a Pátria Portuguesa do séc. XXI.
Coragem Portugueses, só vos faltam as qualidades.
(Almada Negreiros)
BASTA
É Portugal que arde,
Como arde a raça, o orgulho, o querer...
A vontade de fazer... vencer,
O sentido de viver de verdade!
Tudo arde: mental e físicamente...
À muito ardendo na alma
De quem por amor pátrio se ressente!
Que dizer das desculpas e arrepios,
Curvas acentuadas de intelectos vazios
De uma classe política indigente,
que na falta de ideias, repetidamente
Arrasta um povo quase milenar, mas perdido,
Para um fim incerto, sem sentido!
Povo angustiado, cerceado no saber
Nas ordens de quem não as sabe dar,
Nas preces que ninguém sabe escutar,
Condenado a não saber que fazer!
Faltam ideias, convicções,
Galvanizar o Povo, a Nação,
Dar-lhe o óbvio, a razão
Das imensas frustracções.
Transformá-las num caudal
Que vença o fogo, que sem se ver tudo queima,
No caminho espesso, desigual...
No vegetar errante, brutal...
Na voragem de uma clique sem chama...
Na ausência de Homens que dêem razão ao poema!
Falta cumprir Portugal
( João Fernandes )
18.4.05
Spleen
Of definite Sunday faces;
Bonnets, silk hats, and conscious graces
In repetition that displaces
Your mental self-possession
By this unwarranted digression.
Evening, lights, and tea!
Children and cats in the alley;
Dejection unable to rally
Against this dull conspiracy.
And Life, a little bald and gray,
Languid, fastidious, and bland,
Waits, hat and gloves in hand,
Punctilious of tie and suit
(Somewhat impatient of delay)
On the doorstep of the Absolute.
Génesis VI
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.
Nem de existir, que é vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.
Por mais justiça...- Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram, porque nunca a viram!
E a eternidade...Ó transfusão dos povos!
Não há verdade: o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.
(Jorge de Sena)
16.4.05
Doce e Bela....
...
Assoma-se ao patim figura esbelta,
O cabelo é ouro, as feições perfeitas.
O corpo belo, torneado,
Bem vestido e calçado.
-Boa Noite!, diz com voz sensual.
-Conheço-a? Não creio... .(Já estava rendido).
-Temos amigos comuns! Responde com ar natural.
Deixo-a avançar!
Sigo-lhe o dançar da anca,
O aroma que se solta,
A sexualidade envolta,
A volúpia que encanta.
Senta-se cruzando as pernas.
São perfeitas, desenhadas,
Meias e saia desencontradas.
(Sinto-me estremecer).
-Não me esperava, estou certa.
-Não esperava ninguém, sou sincero.
-Surpresa agradável, espero!
-Claro! - num tom semi-audível.
- Bebe algo?
-O que quiser beber.
(E eu sinto-me desfalecer).
Que voz, que corpo, que presença divina,
Acaso seria toda aquela sorte minha?
A noite avança!
Falo muito, mantenho a calma.
Mas só a sua presença
É razão suficiente para não mostrar indiferença
E tentar cativar sua alma.
É a alma que sente,
O corpo é a iguaria,
E se era o corpo que queria
Teria de cativar a mente.
Usei e abusei de charme,
Mostrei-me o mais sedutor,
Embalado por palavras de amor
Aproximei o corpo com arte.
De vontade imensa farto,
Beijei os lábios intensos,
Sentindo os corpos imensos
Avancei para meu quarto.
Agora, daqui de onde me encontro,
Onde alfa e omega se juntam,
Onde as vidas se conspiram
No oriente eterno apronto...
Vos garanto!
Que morto estou decerto!
Mas a morte tive-a no leito
Entre beijos e arfar de peito.
E como é bela e doce a morte
Que me calhou assim em sorte!
(João Fernandes)
15.4.05
A Noite...
I Hear an Army
And the thunder of horses plunging; foam about their knees:
Arrogant, in black armour,behind them stand,
Disdaining the reins, with fluttering whips, the Charioteers.
They cry into the night their battle name:
I moan in sleep when I hear afar their whirling laughter.
They cleave the gloom of dreams, a blinding flame,
Clanging, clanging upon the heart as upon an anvil.
They come shaking in triumph their long grey hair:
They come out of the sea and run shouting by the shore.
My heart, have you no wisdom thus to despair?
My love, my love, my love, why have you left me alone?
(James Joyce)
À MINHA MUSA
E também do crepúsculo vencido.
Ó senhora da noite misteriosa,
Por quem ando, nas trevas, confundido.
Perfil de luz! Imagem religiosa!
Ó dor e amor! Ó sol e luar dorido!
Corpo, que é alma escrava e dolorosa,
Alma, que é corpo livre e redimido.
Mulher perfeita em sonho e realidade.
Aparição divina de Saudade...
Ó Eva, toda em flor e deslumbrada!
Casamento da lágrima e do riso;
O céu e a terra, o inferno e o paraíso,
Beijo rezado e oração beijada.
(Teixeira de Pascoaes)
14.4.05
Digo Não À Cegueira
e apreciai o que vos trago:
a natureza num bago,
a vida vivida nos lodos.
Bago de arroz, marabunta,
mais a sede, miséria e agonia,
acompanham-na dia a dia,
na existência defunta
de quem à vida se atém,
mesmo que recolha o desdém
daqueles que com ele se cruzam.
É que no cego fingimento
de quem vendo nada vê,
e não sabendo o porquê
de tamanha vilania,
vão despontando na hipocrisia
de um mundo já estragado,
(disso não se dando conta)
onde a ira e a cobiça
cohabitam lado a lado!
Pobre daquele que alma tem
hoje mais que ninguém,
por ver sua existência perdida
entre os cinismos da vida.
Lutando vai-se fazendo
órfão, cada vez mais órfão
num mundo cada vez mais cão,
onde a palavra irmão
todo o sentido perdendo,
se aplica sómente
àqueles que de facto o são!
Para ti meu irmão vou vivendo,
para ti que me queres como tal!
Para os filhos, no exemplo de que a vida
não é necessáriamente brutal,
e que só vale ao ser vivida
tomando todos por igual!
Aos outros, em cada momento
reservado lhes está o amor,
refúgio último da dor
que assola o pensamento!
(João Fernandes)
(Mendes Ferreira)
13.4.05
NOCTURNO
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...
Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.
Era, no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy...
Era, na jarra, de repente, um lírio!
Era a certeza de ficar sem ti.
Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança...
(David Mourão-Ferreira)
O Barreiro e a CUF (2)
Sob o controle de técnicos estrangeiros, iniciam-se os trabalhos de construção no ano de 1907, na Vila do Barreiro. Um ano após o início da construção e a laborar com 100 operários, arranca a primeira unidade industrial de produção de óleo de bagaço de azeitona, componente do fabrico de sabão, que é comercializado no mercado interno e também exportado. São igualmente dessa época as primeiras fábricas de superfosfatos e de ácido sulfúrico, uma central de energia eléctrica, um bairro operário, posto médico e quartel de bombeiros. Em 1908, após a aquisição da Companhia de Tecidos Aliança, arranca uma unidade têxtil nas fábricas do Barreiro. Desta unidade sai a sacaria destinada ao embalamento e venda de adubos, bem como as lonas que compõem as velas da frota marítima privada da CUF, garante das ligações fluviais entre o Barreiro e Lisboa.
Nas palavras de Caetano Beirão da Veiga, amigo pessoal de Alfredo da Silva, proferidas em 1910: "O Barreiro é já outro pelo aspecto, pelo movimento, pela vibração das ruas, pelo ritmo nervoso dos que trabalham, pelas altas chaminés (nota: ex-libris das fábricas da CUF) que fumegam dia e noite, pelo odor horrível das emanações químicas que se espargem no ar (nota: que pioravam notóriamente quando o vento soprava de Nordeste e que eram, igualmente, responsáveis pelos fortes nevoeiros que se faziam sentir na Vila), pelas aspirações sociais impetuosas de centenas de operários que se concentram nesse colosso industrial permanentemente arfando".
MAGNIFICAT
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, quem tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!
(Álvaro de Campos)
12.4.05
E Flutua
no vento que assola o pensamento,
induzido na virtude do tormento
de querer fazer nossa a carne tua!
Anseia pelo momento que é feito
De certezas. O mais esperado...
De que o corpo belo e amado
Se una ao outro por direito.
Num sonho de abrigo, recatado,
Onde dissimulado e escondido
Anseio e desejo proibido
Se confundem lado a lado.
Espera a oportunidade sentida
Num corpo na vontade moldado,
Depois de muito ter porfiado
Naquela imagem tão querida.
E eis chegado o momento
Tantas vezes desejado,
Outras tantas imaginado
Mente e corpo em movimento.
Voga finalmente a direito
na pele estribada vontade,
Razão de tanta felicidade
Partilhada naquele leito.
(João Fernandes)
CANTIGA, PARTINDO-SE
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora d´esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
(João Roiz de Castelo-Branco)
(Mendes Ferreira)
(Mendes Ferreira)
Desmandos Políticos Por Ausência de Motivos Étnico-Religiosos
(Mendes Ferreira)
11.4.05
Canção De Uma Sombra
E a velhinha janela, onde me vou
Debruçar, para ouvir a voz das cousas
Eu não era o que sou.
Se não fosse esta fonte, que chorava,
E como nós cantava e secou...
E este sol, que eu comungo, de joelhos,
Eu não era o que sou.
Ah, se não fosse este luar, que chama
Os espectros à vida, e se infiltrou,
Como fluido mágico, em meu ser,
Eu não era o que sou.
E se a estrela da tarde não brilhasse;
E se não fosse o vento, que embalou
Meu coração e as nuvens, nos seus braços,
Eu não era o que sou.
Ah, se não fosse a noite misteriosa
Que os meus olhos de sombras povoou,
E de vozes sombrias meus ouvidos,
Eu não era o que sou.
Sem esta terra funda e fundo rio,
Que ergue as asas e sobe, em claro voo;
Sem estes ermos montes de arvoredos,
Eu não era o que sou.
(Teixeira de Pascoaes)
8.4.05
PÁTRIA
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro.
Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Dum longo relatório irrecusável.
E pelos rostos iguais ao sol e ao vento.
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas.
- Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro
Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo.
(Sophia De Mello Breyner)