Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está a minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como um acidente em seu sujeito,
Assim coa alma minha se conforma.
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.
Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que para mim foi sonho nesta vida.
Lá numa soidade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro para ela; e ela então parece
Que mais de mim se alonga, compelida.
Brado: - Não me fujais, sombra benina!
Ela, os olhos em mim cum brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser,
Torna a fugir-me; e eu, gritando: - Dina...,
Antes que diga mene, acordo e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
(Luis de Camões)
1 comentário:
É sempre bom reler Camões!
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