12.4.05

Desmandos Políticos Por Ausência de Motivos Étnico-Religiosos

Perigosa situação a que vive a Europa.
A prosperidade exige a ordem. Num mundo onde a riqueza nasce da desmultiplicação das ligações de capital e alianças internacionais há que evitar as perturbações, o imprevisto e o incontrolável. É necessária uma ordem que não sobrevenha, exclusivamente, do poder económico - este não conhece cor, credo, nacionalidade - mas igualmente do reconhecimento das similitudes, do espaço geográfico, dos interesses comuns.
Esta necessidade conduzíu, de forma expontânea, ao desaparecimento das comunidades anárquicas iniciais, unifamiliares (tribos) para sociedades mais evoluídas, preceituadas e normativas, consoante aumentava o número de membros, a desigualdade na repartição dos haveres e a diferente influência que as famílias (clãs), cada vez mais numerosas e verdadeiramente separadas, exerciam. A força militar, nestes tempos, era ainda passível de ser aplicada de forma unilateral. Hoje já não existe a legitimidade para o fazer. A opinião pública dos países mais avançadas é penalizadora de acções unilaterais pela força, bem como mesmo o próprio interesse nacional já não é suficiente para defender qualquer tipo de actuação exterior. A legitimidade carece da aprovação da ONU. A nação deixa assim de desempenhar o papel de marco fundamental e garante da segurança.
Sobre a justiça poderia fazer-se um raciocínio semelhante, bastando para o efeito pensar na crescente influência de Bruxelas, nos ditames da regulamentação dos diferentes estados que compõem a UE. Este efeito extravasa a vontade política, indo de encontro às necessidades da evolução económica, que necessita cada vez mais de normas internacionais definidas supranacionalmente. É precisamente na esfera económica que deparamos com uma crescente inadaptação ao conceito de "propriedade nacional". A aceleração do progresso científico, a revolução tecnológica constante, provocando um aumento nos custos de I + D, conduz a uma necessária cooperação mundial, seja na Física fundamental (caso dos aceleradores de partículas gigantes) quer na Biologia, por incapacidade dos estados, isoladamente, suportarem todos os custos de investigação envolvidos (mesmo para a dimensão dos EUA).
Supera-se assim a determinante territorial, sem um substituto à altura para o Estado, onde se reconheça um papel utilitário e funcional. Entre o Estado-providencia e os ultraliberais deveria existir espaço para o federalismo, a exemplo da Alemanha pós-guerra e dos EUA. Não nos enganemos, contudo! O federalismo clássico nasceu de uma lógica de solidariedade baseada na lógica geográfica: o município pertence à região; a região pertence ao Estado Federal. É esta pirâmide geográfica que permite organizar, a diferentes níveis, a vida política: os espaços de solidariedade autárquicos de nível local, regional, nacional, fixando em cada um dos níveis os cidadãos as suas prioridades, os seus anseios, em suma a vontade comúm que substancia a definição de política em si mesma.
Tudo muda, contudo, quando esta vontade, esta solidariedade voa em bocados, desfeita pela inexistência de espaços de referência, quando a mobilidade de pessoas e capitais faz rolar os conceitos de delimitação geográfica. Ao substituir-se por grupos de interesses limitados no tempo (interesses económicos), a solidariedade espacial sucumbe. O Estado-nação na sua pretensão de combinar uma multitude de interesses e dimensões (polítca, cultural, económica e mesmo militar) torna-se refém da própria concepção espacial do poder, por via do próprio espaço deixar de ser um critério fundamental de avaliação.
Desde a sua origem, a política é a arte de governar uma sociedade organizada de homens, definidos pela sua identificação geográfica, patrimonial, cultural. Não sendo a solidariedade um dado mensurável e justificado na limitação espacial, se a nação perde o seu sentido, poderá a política continuar a ter um lugar e uma função? Não o creio.
Estamos preparados para que assim seja? Também não o creio!
Vêm estas linhas a propósito dos desacatos verificados este fim-de-semana, um pouco por toda a Itália, no decorrer de eventos desportivos. Os mais graves, em Roma, são justificados pelas diferenças políticas entre as claques em confronto: os da casa de direita; os vizitantes de esquerda. Itália, como a conhecemos, é uma nação recente, pouco mais de 1oo anos de existência. As crispações regionais são imensas. Os problemas de estabilidade política de sempre, as questões económicas que começam agora a despontar, escondidas durante anos no forte poder económico italiano, ameaçam a estabilidade e fazer ferver o sangue já de si quente dos seus habitantes, aproximando as reacções de "cenas de filme italiano". A dificuldade da população se rever num projecto europeu, cada vez mais de Bruxelas e cada vez menos local origina crispações e, em países onde as questões étnico-religiossas não se colocam, o extremar de posições sobra para a esfera política, "leit motiv" das discussões e confrontos, válvula de escape das frustrações e expectativas goradas.
O presumível "Não" à constituição europeia em França é paradigma do que atrás se descreve, por muito que tal facto crie estranheza e mesmo apoplexia nos afanosos políticos pró-UE. A não identificação espacial, a ausência crescente de solidariedade a par de uma visível deterioração das condições de vida, conduz a atitudes de defesa que passam pela afirmação geográfica, cultural e política. O Federalismo europeu é uma utopia, substancialmente aumentada com a inclusão de oito novos membros sequiosos de uma identidade nacional que há muito lhes fugia. Se a 15 existem problemas graves, a 25 foram exponenciados.

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