28.12.05

Chuva


















Loronov



Posted by Picasa
¿A quién me quejaré de mi enemiga?
¿Al tiempo? No es razón, que me ha burlado.
¿Al cielo? No es juez de mi cuidado.
Ni al fuego, pues el fuego me castiga.

¿Al viento? Ya no escucha mi fatiga,
que está en mis esperanzas ocupado.
¿A Amor? Es mi enemigo declarado
y en condenarme piensa que me obliga.

Ya, pues ninguno de mi parte siento,
Filis ingrata, a ti de ti me quejo;
juzguen tus ojos, reos y testigos.

Y el tiempo, el cielo, el fuego, Amor y el viento
lloren mi muerte, pues mi causa dejo
en manos de mis propios enemigos.

Barahona de Soto

27.12.05

O que de facto importa...

O que está mal não são as declarações de um candidato a presidente ou as propostas que pretenda sugerir para um regular e melhorado funcionamento da vida política, económica e social do País.
O que está verdadeiramente mal é o sistema nem ser presidencial nem parlamentar, ser semi-qualquercoisa, como lhe ouvimos há anos chamar.
O que está execrávelmente mal é a Constituição Portuguesa que requer mudanças profundas rápidas e fundamentais.
O que está mal não é pretender ter um Presidente com ideias. O que está verdadeiramente mal é pretender que o Presidente não pode ter ideias, porque estas competem ao executivo, mas depois, esse mesmo Presidente, poder dissolver a Assembleia da República.
No que é que ficamos? O Presidente é um palhaço pomposo, figura de retórica ou um agente importante na condução polítca, social e económica do País? Seja uma coisa ou outra, não é Soares o Presidente indicado, porque dos adjectivos possíveis para classificar o Presidente e a sua actuação não cabem o de velhaco ou malandro político.

O Triunfo da Morte...

Um homem sentado no chão...

Um homem sentado no chão pede por uma esmola, por uma réstea de sobrevivência. O homem já nãovive, tão pouco sobrevive. Este homem contenta-se com os restos da sobrevivência, do respirar possível, do caminhar possível, do falar quase ininteligível. O homem já não quer, sequer, que se condoam da sua situação que é nenhuma. Este homem está verdadeiramente abaixo de cão. O que procura o homem então? Agarrar-se ao ar, ao dia, a cada dia que passa, literalmente. O homem só quer respirar, caminhar, comer. Porque a vida para este homem não existe. Ele não tem vida, nem própria nem alheia. E compreende-se. Quem por ele passa percebe, distintamente, que a vida já não mora ali. Nem no plano da morte a vida existe. O homem já está morto na moral, na dignidade, no pensamento, nas expectativas. Dentro deste homem nem uma réstea de esperança existe a não ser a de viver mais um dia. A roupa não existe, só farrapos, mostrando em toda a sua extensão o forro de que é feita - jornais rasgados, dobrados, pontas desfeitas e muito, muito sujas. Este é o verdadeiro agasalho do homem; os jornais com os quais procura reter o pouco calor que o seu débil corpo conserva. E estão 6 celsius negativos. O home pede a moeda, que de quando em vez lhe cai na mão ou perto. Num homem destes não se toca. Nem se olha verdadeiramente. Passa-se um olhar muito de relance e percebe-se tal miséria que a vergonha contida da sociedade se inibe de se mostrar constrangida perante tanta miséria, pois que constrangimento tem este homem de sobra, não precisa que lho aumentem.
Parei a uma distância suficiente para não ser notado. E vi aquele homem, para lá do fim da linha, numa curva da vida inalcançável. Mesmo que se queira, isoladamente nenhum de nós tem condições de valer àquele homem. Ele está para lá da nossa capacidade de compreensão. Talvez só num templo, despojados de todas as vestes e metais, nús e todos iguais, consigamos olhar aquele homem e pensar que possa ser parte de um qualquer objectivo oudestino. Ali na rua, sentado, não! Aquele homem não tem objectivo ou saída possível e o destino está traçado: o homem já está morto!
Onde pára então a sociedade, quando a vida de um homem se degrada inexorávelmente, muito para lá do limite que julgamos possível? Onde pára a economia, o estado social, para que o plano inclinado de uma vida seja barrado e o homem recuperado, antes que se espete no seu final com grande estrondo e se desfaça em mil pedaços feitos de todos os seus sonhos, das suas ambições, da família, do desespero, da vontade, da descrença, da dignidade e da vida?
Compete ao estado zelar pelo bem estar de todos. O estado somos todos e queremos que todos sejam apoiados. A vida é fértil em surpresas, sendo os seus momentos desagradáveis em maior número que os restantes. Queremos ter a certeza que a vida não nos caça numa qualquer viela e nos atira para o caixote dos despojos, para o leque crescente e já interminável dos que foram caçados na teia do destino, escrito pelas mãos de todos que nos abstemos de participar e fomentar a igualdade de direitos e deveres, vivendo de egoísmos, de espaventos e cultivando o sofisma.
O estado tem de ser interventivo. Para tanto precisa de se dotar de meios próprios. O estado precisa de investir para gerar riqueza, para lá daquela que obtém através da coerção fiscal. O estado tem de se comportar como um qualquer outro accionista; acreditar na gestão privada e pedir dividendos no final dos exercícios. O estado tem de aplicar os seus dinheiros, de escolher os seus investimentos de forma criteriosa e cautelosa porque o estado somos todos nós e o capital investido é todo nosso. Depois o estado tem de aplicar uma fatia dos resultados em novos investimentos e a fatia restante tem de ser forçosamente canalisada para o estado-providência.
Como é possível sabermos todos que há reformados que vivem com perto de 20 contos por mês? Imaginamo-nos, acaso, a viver com tal quantia mensal? Não foram estes reformados outrora homens e mulheres válidos para a sociedade? Não contribuíram com o seu esforço e trabalho para o bem comum? Não são agora, eles próprios, vítimas da má condução das políticas passadas e presentes, praticadas por outros homens? E todos os outros, que mendigam nas ruas? Não serão igualmente merecedores da atenção do estado, ou seja, de todos nós? E ainda aqueles a quem falta a assistência na doença? E os outros a quem é vedado o acesso à cultura, por falta de meios e condições?
O estado não pode gastar para luzir pela frente e, em simultâneo, andar passajado ou roto na retaguarda.
Porque o estado somos todos nós e todos temos a obrigação de apresentar uma só cara.

Natal

Natal...Na provincia neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meupensamento é profundo,
´Stou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que nãosei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

(Fernando Pessoa)

Poemas Inconjuntos

A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
(Alberto Caeiro)

24.12.05

A Adoração dos Reis magos




















Bento Coelho da Silveira

CRISTO em casa de Marta
















Velásquez

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

(Vinícius de Moraes)

14.12.05

O Senhor Ventura...

"Ha nações que nascem feitas e nações que se fazem. Portugal é das que se fizeram, [...] e nunca tiveram sossego nas fronteiras, que chegaram a situar-se nos cinco continentes."

"Fundadora de novas pátrias, esta pequena pátria, que com os descobrimentos marítimos realizou a maior epopeia dos tempos modernos, arredondando definitivamente o globo nas mentes coevas, ainda hoje ajuda a povoar e a unir o orbe, num fluxo emigratório constante. E é essa vocação planetária, essa inquietação dispersiva que faz do português um peregrino das sete partidas, um cidadão do mundo."
Miguel Torga

as razões que a razão desconhece ou a Portugalidade...

"Posso finalmente sair de Portugal (pelo menos tenho passaporte), e bastou essa certeza para me tirar toda a fúria de deixar isto."
Miguel Torga, 27 de Junho de 1950, a propósito do termo do impedimento de se ausentar do País.
Nova ausência, agora por cinco dias, marca a agenda do palavras interditas.
Até já.

SONHO ORIENTAL

Sonho-me às vezes rei, nalguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha...

O aroma da mongólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com umas finas ondas de escumilha...

E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto num cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,

Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.

Antero de Quental

13.12.05


















Richard Pikesley

Os guetos....

O último quartel do séc. XX assistíu a um crescimento desmesurado do peso do capital na acção e capacidade governativas dos estados.
Se nas décadas de cinquenta e sessenta países como a França e Alemanha foram importadores de mão-de-obra, a generalização do movimento, tornando todos os países ocidentais como receptores de movimentos migratórios veio acentuar uma tendência perigosa na economia moderna: é a mão-obra que procura o capital e não o inverso. Este fenómeno forçado, conduz a uma necessidade de integração social num meio novo e a maioria das vezes altamente adverso.
A constituição de guetos, com base em diferenças raciais e/ou religiosas conduz a um perigoso ciclo de vida, onde as condições de sobrevivência são difíceis, levando tendencialmente essas minorias a exagerar os seus valores étnicos, colocando-os acima de valores universalmente aceites.
É sabido que os movimentos migratórios eram, na sua esmagadora maioria, suportados por diferenças evidentes ao nível do conhecimento e dos recursos materiais. Hoje são os recursos materiais que, básicamente, determinam os movimentos migratórios.
Se a primeira geração de emigrantes está, por norma e definição, disposta a tudo, as gerações seguintes apresentam comportamentos diversos, baseados em modelos de igualdade de direitos.
A verdade é que a distribuição equitativa do produto é uma imensa quimera e que na realidade, para que um cidadão aufira rendimentos elevados, muito provávelmente, mais de um milhar terão de vegetar numa vida repetitiva, sem ambições e objectivos. Aquilo que se pede hoje, acima de tudo, é que cada um aceite o seu destino, apresentado em vários formatos, de maior ou menor qualidade e dignidade humanas. Mas será este pedido exequível?
Claramente não. Se numa sociedade pouco informada, onde a informação fluía com dificuldade, sempre a Humanidade se debateu com problemas entre conquistadores e conquistados, hoje, no mundo da informação, as desigualdades são bem mais difíceis de aceitar e os rastilhos bem mais fáceis de acender.
Não perceber esta realidade e, pior, nada fazer para a alterar é contribuir, decisivamente, para um mundo pior, de incertezas, de medos e inseguranças várias.
É, acima de tudo, matar a semente de onde brotou a cultura ocidental. É originar um movimento dramático de adaptação a novas realidades às gerações vindouras. É empurrar estas para outros becos.
Um dia viveremos todos em guetos.














Andrew Wyeth

Uma fagulha na campanha...

Palavras interditas é isso mesmo: dizer o que por norma se esconde.
Não se faz a apologia da violência verbal, muito menos física, mas quem anda à chuva arrisca-se a apanhar uma molha. Se acaso o incidente de Barcelos com Soares não foi encenado (não seria a primeira vez) temos que é claro que ele representa, acima de tudo, uma história por fazer do Portugal recente e que só será possível quando os principais protagonistas políticos desaparecerem. É a certeza da impunidade, os louvores e honrarias prestados a determinadas figuras políticas que poderão pesar no desespero de quem, por amor pátrio se ressente.
Só nos falta, ao fim de trinta anos, dobrar a bandeira nacional e entregar a mesma aos nossos vizinhos espanhóis. Pouco mais nos resta na realidade, e a responsabilidade recai por inteiro em todos os partidos políticos e respectivos dirigentes nos últimos trinta anos. Os mesmos que mantêm hoje o protagonismo e impedem a História de se fazer e, acima de tudo, a renovação política dramáticamente necessária.
A abordagem de que Soares foi alvo (se não foi encenada, acentua-se) foi verbalmente violenta sem dúvida, mas é criticável?
Cremos que não. Os candidatos quando procuram banhos de multidão sujeitam-se ao bom e ao mau. Talvez tenham de mudar de hábitos, conforme a situação nacional se vai degradando ao nível social e económico. A paciência tem limites e a dignidade, existindo, não é permissiva.
Talvez que aquele cidadão de Barcelos tenha ainda presente o dia em que Soares pisou a bandeira nacional; tenha bem presente as mordomias de que goza e tem gozado, algumas excedendo mesmo os direitos fixados para os ex-detentores de determinados cargos públicos.
Talvez aquele cidadão tenha pensado como é possível ter-se tanto sem nada fazer e outros, com uma vida de trabalho, só têm um horizonte de miséria pela frente.
Todos os candidatos se solidariezaram com Soares.
Compreende-se que todos eles sem excepção o façam, não vá o diabo tece-las.

Cenários Presidenciais

As sondagens apontam para números que decidem as eleições na primeira volta.
Cavaco Silva surge com perto de 60% das intenções de voto, ordenando-se os restantes candidatos dos 20% para baixo, destacando-se o segundo lugar alcançável por Alegre.

Este é o cenário espectável atendendo às sondagens e igualmente desejado por muitos, até porque seria histórico que um candidato apoiado pelo centro-direita ganhasse as eleições na segunda volta.
Contudo, alguns ses podem ser levantados e algumas dúvidas colocadas. Primeiro indagar se a massa votante PSD/CDS vota, toda ela, em Cavaco Silva. Não creio. Cavaco está intímamente ligado às infraestruturas viárias e ao crescimento desmesurado da grande distribuição. Cavaco aproximou Lisboa de Madrid e Barcelona, retirando sentido a centros de decisão que se mantinham em Portugal por dificuldades de ligação rápida entre Portugal e Espanha e não por questões de mercado. Com o advento da grande distribuição - as modernas catedrais de consumo - Cavaco criou ricos mas não gerou riqueza, contribuindo decisivamente para a face terceiro-mundista que o País actual apresenta. E há muitos que não esquecem nem perdoam esta gestão governativa.
Depois há que considerar a posição a assumir por Jerónimo e Louçã. Tenho para mim que Jerónimo só irá a votos se Louçã for até final. Porque Jerónimo sabe que terá mais votos que Louçã e porque não pode deixar o Bloco concorrer sózinho, sem a oposição comunista. Jerónimo sabe que o Bloco é um saco de gatos, uma moda - como tal passageira - que enquanto durar poderá roubar votos ao PCP, junto das camadas jovens, onde os comunistas estão mais carenciados. Por isso Jerónimo vai até onde for Louçã.
Louçã não pode (ou não deve) políticamente ir até ao fim. Os votos de Louçã não são os votos do Bloco, são menos, bastante menos e uma votação menor em Louçã mostrará o que Louçã não quer - que o Bloco é uma coisa e que Louçã é só uma parte do Bloco - que existem blocos no Bloco.
Se o Bloco for a votos, os comunistas também irão e Cavaco ganha à primeira.
Se Louçã não for a votos (impondo-se no interior do BE), Jerónimo também não necessita de ir a votos. Nesta situação os comunistas poderão dar liberdade de voto aos militantes e simpatizantes ou dar indicação de voto em Alegre. Louçã, a desistir (se o BE deixar), colará a sua imagem a Alegre, aproveitando a tendência das sondagens que dão este à frente de Soares, tentando capitalizar no provável precioso apoio do Bloco para uma eventual passagem de Alegre à segunda volta.
Se Cavaco correr contra Soares e Alegre (sem Jerónimo e Louçã) a probabilidade de não ganhar à primeira volta é elevada. Há que considerar, contudo, a relativa importância que os comunistas possam atribuir a uma vitória à esquerda ou à direita, perante a possibilidade de o seu líder se apresentar a escrutínio, com ou sem Louçã. O risco de serem crucificados pela esquerda é nulo, perante a divisão de candidaturas no seio do PS, partido da esquerda com maiores responsabilidades.
Se Cavaco não ganhar de caras irá ter como oponente Alegre. E a história reza assim: o candidato de esquerda ganha.
Depois há também a possibilidade do voto em Alegre com dois fins: primeiro ridicularizar Soares; segundo baralhar em definitivo a 3ª República e acelerar a sua queda. O voto assim não é um voto claramente democrático, mas a acontecer virá de sectores que Cavaco assume como seus.
Cavaco não serve ao País actual. É um europeísta convicto e um monetarista confesso.
Dentre os restantes dois candidatos melhor (?) posicionados venha o diabo e escolha: o grupo de Argel ou o grupo de Paris. Em qualquer dos casos dissidentes comunistas.
A escolha mostra-se fácil, para qualquer dos lados e respectivas motivações. As repercurssões serão bem mais difíceis de digerir.

7.12.05

O Sistema Está Gasto...

A ruptura no sistema é inevitável. Mesmo decorrendo de forma parcimoniosa, suave, gradativa e tantas vezes quase imperceptível. Porque as revoluções podem vir a assumir contornos radicais sem que tenham brotado de processos revolucionários, no sentido dado por Kant.
Constituindo-se a política numa esfera de influência inteligível ao nível da moral é, por obrigação mais do que por definição, uma relação entre governantes e governados, entre quem tem a obrigação de dirigir e quem tem de se submeter às decisões.
É claro que num regime político democrático esta relação tácitamente aceite se baseia em princípios antigos, do bom e do mau governo (da boa ou da má moeda), da conquista do poder e da forma como ele é exercido, da separação entre o poder político e o poder judicial, de quais os poderes que lhes são atribuídos, como se distinguem e interagem, como surgem as leis e como se procede no sentido do seu cabal cumprimento.
Do indivíduo singular não se ouve falar em direitos, senão circunstancialmente, mas acima de tudo de deveres - obediência às leis, transparência fiscal, comportamento cívico e moral.
Esta será a leitura do ângulo dos governantes, mas é possível fazer idêntica leitura do ângulo dos governados. Quando deixamos de considerar estes como um grupo coeso, de princípios morais comuns, regidos pela face dos deveres, e os consideramos como o somatório de vontades individuais, olhadoa à face dos direitos, percebemos que estamos a falar da mesma moeda, mas também de uma inflexão no registo político aceite, de uma revolução radical nas ideias, dogmas e preceitos comummente aceites.
Quando, individualmente, cada cidadão dá como bom o princípio de que em termos políticos já não existem diferenças; quando a análise a candidaturas políticas individuais é feita com total indiferença pelas personalidades em confronto, na convicção de que são todas iguais; quando esta indiferença nasce da certeza que o poder da mudança não reside nas vontades políticas partidária ou pessoais; quando, finalmente, nos damos conta de que esta interiorização individual da potência política é o sentimento generalizado do colectivo, assistimos, em definitivo, a uma mudança na face da moeda, a uma concepção lockiana onde os direitos naturais são a resultante de uma concepção individualista da sociedade, da essênciaa do Estado e que este é e representa o colectivo.
E representa bem ou mal, com a diferença de que o colectivo, somatório das percepções individuais, agora se dá conta e exige explicações para a boa ou má governação.
Se os candidatos políticos, individualmente considerados, não conseguem transmitir qualquer sentido ou objectivo político à acção governativa, eles próprios, não intencionalmente, subscrevem a tese de que a política nada tem a acrescentar no formato actual e que, enquanto cidadãos individualizados, se debatem com o mesmo problema e dilema dos demais indivíduos - como aceitar (ou impor) tantos deveres, sem sentir (garantir) a existência de direitos.
O Sistema está gasto.