Passaram ontem 20 anos sobre a adesão de Portugal à CEE, hoje UE.
A notícia foi dada com pompa na RTP1, mostrando Soares a assinar a adesão afirmando-se em simultâneo, através de um discurso entusiasmado e de algumas imagens dispersas que nada mostravam, que o País mudou drásticamente nesse período, apontando como exemplos possíveis de aferição das mudanças profundas várias situações, algumas das quais que passo a destacar: 1) quase 750.000 portugueses trabalhavam na lavoura - o denominado sector primário da economia - trabalhando hoje nesse sector pouco menos de metade; os electrodomésticos eram um luxo acessível só a alguns, estando hoje perfeitamente massificados; do Porto a Faro demoravam-se 10 horas, demorando-se hoje cerca de 6 horas.
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A última afirmação proferida seria a única que poderia prefigurar uma alteração substancial no panorama económico e social nacional, caso tivesse contribuído, com o encurtar das distâncias, para uma real e eficaz política de melhoramento das assimetrias regionais e um aumento decisivo na produtividade nacional. Como se sabe nem uma coisa nem outra aconteceram e, de facto, a única verdade é que as redes de estradas só foram possíveis graças aos subsídios europeus, caso contrário com os dinheiros nacionais tal emprendimento seria impossível, depois da desbunda e delapidação da riqueza nacional após o 25 de Abril de 1974.
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As duas primeiras premissas, supostamente sustentadoras do princípio das alterações profundas acontecidas em Portugal em virtude da adesão à CEE são veiculadoras, isso sim, da má performance portuguesa no panorama económico europeu. Se por um lado o acesso a bens de consumo, como o caso dos electrodomésticos, registou um incremento, tal facto ficou a dever-se à enorme baixa no custo de produção dos mesmos tornando-os financeiramente mais acessíveis, não sendo este factor demonstrativo de nenhuma evolução da economia portuguesa porque Portugal não fabrica frigoríficos nem máquinas de lavar e, igualmente, porque não deriva de um crescimento real do produto nacional e a uma consequente melhoria das condições económicas das famílias portuguesas mas, fundamentalmente, a um aumento que hoje se considera muito preocupante do endividamento das famílias, criado pela facilidade de aceder a crédito, que na última análise efectuada representava cerca de 112% dos rendimentos reais auferidos, ou por outras palavras, nos dizia que vivemos todos muito acima das nossas posses.
Por outro lado, a redução de cerca de 400.000 postos de trabalho no sector primário não significou nenhum aumento de produtividade e consequente redução da mão-obra necessária, fruto de um processo de mecanização e automação de processos, mas sim o fim do sector agrícola em Portugal. Este sector está há muito enterrado.
Igualmente o facto de existirem hoje em Portugal 500.000 desempregados e de o número estar longe de ter estabilizado, significa claramente que nem o sector secundário - a indústria - teve capacidade de absorção da mão-obra libertada na destruição do sector agrícola, mostrando, bem pelo contrário, uma idêntica tendência para o suicídio, como mostra à evidência que o sector terciário - os serviços - está esgotado e igualmente sem capacidade de criação de postos de trabalho, facto natural porque este sector económico sofre fortíssimas influências dos dois primeiros. Se estes são quase inexistentes (uma vez mais peço que olhem para o PSI20 e descortinem as empresas industriais que aí subsistem, perto do avassalador número de empresas prestadoras de serviços) não é possível pedir milagres ao terciário.
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Assim, verifica-se que as verbas canalisadas via CEE e UE têm tido uma aplicação praticamente nula, com efeitos práticos desastrosos pela atitude e mentalidade despesista que vieram criar no comportamento político nacional, não deixando Portugal de cohabitar com os países mais pobres da Europa. A responsabilçidade cabe quase por inteiro, curiosamente, a dois candidatos presidencias em 2006: Mário Soares e Cavaco Silva e, em muito menor grau, a A. Guterres e D. Barroso.
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Eu, por mim, dispensava as auto-estradas e trocava todas elas pela miséria que se vê nos campos e nas cidades deste País. Preferia demorar 10 horas de automóvel do Porto a Faro, ou outras tantas de comboio e nem sequer ter carro, a saber que há concidadãos que não têm as condições mínimas de vida que a dignidade humana existe.
E depois, algum de nós acredita que todos os pensionistas que recebem neste país um valor mensal situado entre os 25 e os 50 contos têm acesso a máquinas de lavar e de secar, fornos, micro-ondas e televisões? Ou será que estes bens mais as 6 horas de viagem para ir de banhos ao Algarve não continuam a ser um benefício só para alguns?