Os corrompidos serão vítimas do sistema?
A multiplicação da informação banaliza o saber e privilegia a rede. Cai a estrutura piramidal e as decisões são conduzidas por um intricado labirinto; não há um ponto de decisão mas uma panóplia de etapas onde se vai moldando a decisão. É aqui que surgem as novas formas de corrupção: multiplos actores com multiplos objectivos por parte dos corruptores.
O corrompido vê-se como uma espécie de agente social, moderador de um jogo que é jogado de acordo com as suas próprias regras.
Perde-se a noção de interesse público. O excesso de informação é contrário ao interesse de dispor da informação, porque faz com que esta se perca e os agentes, corruptores e corrompidos, ajam de acordo com os seus interesses, supostamente escudados nas ligações de rede de que dispõem e na percepção própria do que é e significa a rede.
A distorção é inevitável e tantas são as vezes em que os expedientes são utilizados que, perdendo-se a noção do interesse público e fomentando regras próprias, se perde a própria coerencia da rede e a informação passa a ser claramente manipulada e forçada.
Reduzem-se substancialmente as opções e escolhem-se saídas (soluções) que nunca se sabe em quanto estão desfasadas da solução natural (a boa solução) e, por tanto, quanto são precárias, legal e publicamente consideradas, as soluções encontradas.
Neste mundo o conhecimento nasce das relações pessoais e da capacidade lobista, muito mais do que da capacidade técnica e do conhecimento em si mesmo. Estar neste segundo grupo significa estar ostracizado.
Quando o interesse público se funde com o interesse privado, a própria designação corrupção carece de uma definição mais cuidada, porquanto o seu significado estrito e usual já não providencia a capacidade de entendimento do fenómeno.
A sociedade que nasce destes pressupostos tem de ser encarada como uma sociedade toda ela corrupta, onde a corrupção conforme a definimos e interiorizamos só será nociva se não estiver generalizada. Se assim é, isto significa um acesso desigual aos "serviços" que a rede pode operar e prestar e deixa de ser uma "remuneração compensatória" normal numa economia de mercado.
É pena que esta "remuneração acessória" não seja depois depositada numa lata de salsichas ou num frasco de vidro de iogurte usados, para que no final do dia possa ser redistribuída por todos os funcionários que fizeram operar o sistema, como num vulgar café se faz, mas a crítica é mais direccionada ao modo de organização do que ao princípio: "interessar" todos pelos resultados obtidos, criando um novo paradigma remuneracional, modernizando o esquema de remunerações da função pública.
A excepção reside na constatação, à posteriori, se as soluções adoptadas o foram para o bem comum ou sómente perseguiram interesses particulares, com desrespeito pelos interesses públicos, ou seja, a constatação de que toda a decisão que é tomada na base da procura da "remuneração adicional" é necessariamente mais fraca, ou pior, do que aquela que não busca essa "remuneração". Constatação: quem procura ser assim "remunerado" não tem legitimidade perante quem não procura essa compensação.
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Perseguir legalmente esta forma "remuneratória", clivando o interessse público do privado, só atrasará o processo corruptivo; qualquer funcionário que tenha à sua disposição uma boa rede de contactos, tratará de passá-la para os privados fazendo-se "remunerar" fortemente por isso.
A remuneração tanto pode ser a crédito, para dias tardios já fora da política e da função pública, como por financiamentos aos partidos e aos políticos, nestas situações em cash.
A morbidez com que os políticos olham a política, fruto do desinteresse das populações na vida política e na ausencia de ideias e ideais políticos, só é comparável ao padre que vê desaparecer os fiéis. Resta, a um e outro, a ilusão de poder.
Porque o reconhecimento social desaparece, essa importante "remuneração" moral, o prestígio, desvanece-se na certeza da mediocridade do funcionamento da administração pública; vista por este prisma, a corrupção pode ser entendida como um acto desesperado mas agradável de convencimento de que o agente público e o político ainda têm algum valor.
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Assim, em lugar de atacar fortemente os actos corruptivos indiscriminadamente, deveríamos todos ter uma atitude caritativa para com os corrompidos e accionar mecanismos de solução, quer ao nível do reconhecimento social quer de acompanhamento psicológico que todos eles necessitam. Estamos a falar de gente que está numa situação desesperada de falta de confiança, muitos a passarem por situações depressionárias medonhas, que só encontram refúgio em actos reprováveis, mas justificáveis face à necessidade imperiosa de se sentirem importantes, valorosos e de valor, poderosos e com poder.
A culpa é da sociedade, dirão estes, e os escandalos nas democracias modernas fruto da consequencia lógica do triunfo do dinheiro sobre os valores, como única medida de sucesso reconhecida.
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Não creio que a solução para esta maionese moral e social passe pela transfromação de políticos de sempre em quadros de empresas privadas, mas talvez pela colocação dos mesmos em ONG´s, pelo mundo fora, para que se sintam, finalmente, portadores de uma razão e justificação para o desempenho de funções que desenboquem finalmente na defesa dos interesses públicos, na defesa dos interesses de todos e, principalmente, dos mais necessitados.
Acaso não haja tantas ONG´s assim, não vejo como resolver a prazo este problema, a não ser pela atribuição à administração pública de uma renovada imagem de credibilidade, de reconhecimento moral e social.
Mas tal cometimento não pode ser feito com os actores actuais......
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