É uma pena que em Portugal os factos, grandes ou pequenos, se saibam a conta-gotas, retirando-lhes dimensão de conjunto. É uma das situações em que a visão da floresta seria bem mais esclarecedora que a visão de cada uma das árvores per si.
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As dúvidas, contudo, mesmo que a conta-gotas, vão-se dissipando, mesmo para aqueles que teimam em não querer ver.
É já hoje difícil não perceber, ou melhor, não entender o porquê da laxidão que tem acompanhado a vida política nacional desde o longínquo ano (paradoxalmente cada vez mais próximo, na razão directa das funestas consequências que, em crescendo, se fazem sentir na vida económica e social do País) de 1974.
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É fácil perceber os silêncios pesados em relação a uma enormidade de matérias, transversal a todas as forças políticas e muitos órgãos de informação.
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É fácil proferir discursos de aperto de cinto, culpabilizar a despesa pública portuguesa (com todas as suas idiossincrasias, que a tornam muitíssimo rígida, o mesmo é dizer, de difícil redução), aumentar impostos, alterar cálculo de taxas e reduzir limites de rendimentos isentos de impostos a todos os que trabalham, no duro, dizendo-lhes, em simultâneo, que o estado-previdência está perto da falência e que dificilmente se poderão garantir pensões de reforma (na sua maioria miserentas), num espaço temporal de 15 a 20 anos.
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É uma pena verificarmos, depois, que de Norte a Sul dos partidos políticos, todos sem excepção, se têm norteado por políticas de compadrio que favorecem directa e descaradamente os seus membros. Todos nos admirámos - porque todas estas situações andam escondidas de há anos - da política de reformas do Banco de Portugal.
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Somos confrontados, agora, com a política de descontos da RDP, empresa pública, que gasta dinheiro público, ou seja, o nosso dinheiro.
E todos nos perguntamos: como é possível que alguém trabalhe 4 ou 5 meses numa entidade pública, seja requisitado para a Assembleia da República para exercer funções de deputado e continue a desfrutar de descontos mensais para a segurança social, como se estivesse no activo. Para que serve a figura da licença sem vencimento ? Não servia, bem sei. Na função pública tem um limite de dez anos.
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Podem dizer-me que a decisão é da entidade patronal, a RDP, ao que eu respondo: NÃO!
A decisão não pode ser da RDP porque esta utiliza dinheiros públicos, utiliza o meu dinheiro e o seu. Não é livre de fazer o que lhe aprouver. E se fosse uma entidade privada: poderia, ou seria aceitável ? Poder, podia. Mas não deixaria de ser caso de polícia, pelo menos até se apurar porque razão um deputado da Nação teria gozado de um tamanho privilégio por parte de uma empresa ou entidade privada.
Ficaria sempre a dúvida, que teria de ser esclarecida: teria havido algum tipo de favorecimento ?
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No caso da RDP o favorecimento é claro: é de índole política, dura desde o 25 de Abril de 1974 e pretende garantir, a este e todos os outros bandidos que se têm aproveitado, com desfaçatez, da promiscuidade entre os interesses pessoais e privados e a coisa pública, a independência financeira, uma velhice confortável e despreocupada. É pena fazerem-no à custa de todos os outros - muitos, mas muitos mais - que têm e terão velhices de miséria.
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E queria Alegre ser Presidente da República.
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Falta de vergonha têm muita, honra não têm nenhuma.
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E é ainda bom rapaz: cumpre a lei que limita a pensão a 1/3. Se não existisse a lei recebia a totalidade. Coisa que irá acontecer daqui a uns anos, em acumulação com a reforma de deputado e, porventura, outras mais, a menos que algo de bom aconteça neste País e as coisas se modifiquem.
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Podem começar por os enviar a todos de volta para Argel - os que lá estiveram e, todos os outros, que não tendo lá estado já fizeram por o merecer.