30.4.05

SONETO

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está a minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que, como um acidente em seu sujeito,
Assim coa alma minha se conforma.

Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.

Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que para mim foi sonho nesta vida.

Lá numa soidade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro para ela; e ela então parece
Que mais de mim se alonga, compelida.

Brado: - Não me fujais, sombra benina!
Ela, os olhos em mim cum brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser,

Torna a fugir-me; e eu, gritando: - Dina...,
Antes que diga mene, acordo e vejo
Que nem um breve engano posso ter.

(Luis de Camões)

1 comentário:

hfm disse...

É sempre bom reler Camões!