30.3.05

Recuperação de Um Texto Já Anteriormente Publicado....

A propósito da União Europeia e da sua Constituição

Dêmos razão aos federalistas europeus quando denunciam quão arcaicos são os argumentos nacionalistas. Tiremo-lhes a razão quando pretendem construir um projecto europeu baseado num nacionalismo europeu. Quando a Europa se estende a leste e a ocidente, é impossível conceber um corpo político único, semelhante ao dos países que a constituem. Falta-lhe a massa aglutinadora feita das venturas e desventuras que marcam os povos. Falta-lhe, se quisermos, um acontecimento nefasto de dimensão comúm, para que se pudesse converter numa nação comúm.
  • Não existe um interesse nacional europeu. Existem interesses comuns europeus - veja-se o caso da Airbus vs Boeing - mas estes são muito diferentes e nada têm a ver com interesse nacional. Os interesses comuns reflectem-se, naturalmente, em oposição de interesses nalguns negócios, como se podem projectar em plataformas de acordo noutros, com os EUA ou a Ásia. Não fundamentam, nunca, uma identidade europeia específica, que em todas as frentes consiga congregar todos os europeus face ao "mundo exterior", para além de ter de se considerar anti-natura uma posição semelhante por parte dos países europeus. Não há memória histórica de tal atitude.
  • Igualmente não se consegue criar uma identidade europeia baseada nas leis e preceitos institucionais. Não são as instituições nem os seus normativos que criam o sentimento de pertença a um mesmo corpo, mas sim o inverso: o sentimento de pertença permite aceitar os constrangimentos institucionais. E parece perfeitamente claro ser uma impossibilidade conseguir sintetisar os interesses contraditórios de países como a Suécia, a França, Espanha, Eslováquia e Portugal.
  • A confusão sobre o debate europeu deriva, essencialmente, de ser feito tendo por base o debate político sobre a soberania. Não é possível assentar a Europa numa estrutura institucional fixa, assente num território com limites definidos e definitivos, porque não obedece (e cada vez menos obedece - veja-se o caso Turquia) a nenhuma arquitectura clara ou lógica territorial. A Europa, para tristeza dos franceses, deixou há muito de ser uma ideia política. Igualmente, com o alargamento verificado a Leste, com países saídos de regimes opressivos, com identidade nacional recuperada há pouco, se pode afirmar que a solução passe pela capacidade e talento de recuperar ou adquirir a noção de cohabitação e prosperidade comum, num espaço multidimensional, mal definido. Não é possível.
  • O mundo multidimensional, em que nenhuma estrutura se pode arrogar a capacidade de realizar todas as dimensões da soberania, obriga a que as várias vertentes desta, desde a moeda até aos problemas da droga, passando pelo ambiente, se resolvam ao nível global, implicando uma especialização funcional decorrente da extensão geográfica actual. Contudo este espaço relacional, feito de redes de comunicação e de interesses não é nem neutral, nem homogéneo. É um campo de forças, de equilíbrios e desiquilíbrios, em que a vontade de incrementar as várias ligações e conexões existentes esbarra no medo de perder o controle das redes já constituídas.
  • As instituições políticas, pela sua natureza morfológica e histórica, lidam mal com a necessidade de abertura e, simultaneamente, de protecção dos interesses. A definição de fronteiras, a constituição de corpos políticos, as leis, normas e regulamentos, são entendidas como as bases estáveis sobre as quais se edificam e consolidam os interesses nacionais. Contudo, numa lógica de redes, a fronteira não é um ponto de partida mas sim um ponto de chegada, precária e fluida por natureza. Nenhum espaço está definitivamente fixado.
  • É imperioso que a governação esteja fortemente descentralizada, posto que os dirigentes dos grandes espaços económicos deverão ter o papel de intermediários entre os diferentes actores que compõem o espaço político. Cada espaço político e social tem as suas idiossincrasias, necessitando de medidas pontuais e específicas face aos problemas encontrados, sob pena do sistema de rede começar a promover desigualdades e injustiças, reflexas num mau aproveitamento dos recursos locais, e subjugando à lógica dos mais fortes o interesse dos mais fracos.
  • É de um modelo multidimensional de bases de dados relacionais que falamos e não de pirâmides hierárquicas. É de uma estrutura de difusão de poderes que se trata e não de uma estrutura hierarquizada piramidalmente. O poder é definido pela influência e não pelo domínio. Não se trata de concentrar cada vez mais poder em entidades políticas cada vez maiores, mas sim de organizar as compatibilidades, de preparar as convergencias, de difundir as mudanças, da criação de capilaridades entre as microdecisões que impedem quer as rupturas, quer a imobilidade.
A Europa será tanto mais estável quanto mais flexível for, quanto mais se basear em regras do que em princípios.
A constituição Europeia que se pretende é tudo menos o que se enuncia. É a ferramenta de controle dos mais fortes, a guilhotina para os mais fracos. Por isso se tem de dizer não à Constituição Europeia.

1 comentário:

Anónimo disse...

A Europa será tanto mais estável quanto mais flexível for, quanto mais se basear em regras do que em princípios