30.3.05

A Propósito do PEC.....

Muito se tem falado do euro e da sua viabilidade, agora que o PEC conhece a sua primeira liberalização.
Em Maastricht fixaram-se os critérios de convergência e o PEC, tendo este como objectivo evitar défices orçamentais excessivos e generalizados, fixando a manutenção do défice orçamental dentro de um valor de referência (3% do PIB). Esta medida visava combater o laxismo dos países do Sul.

Em virtude dos critérios fixados, um país da UE que se encontrasse altamente endividado e numa conjuntura de recessão nacional, ficaria inibido de usar políticas fiscais expansionistas, por temor aos limites do tratado, representando aquela inibição uma perda de elevado custo, sob a óptica da autonomia da política monetária nacional.
O PEC apertava assim e ainda mais, a camisa-de-forças fiscal.
A protecção que o PEC garante à moeda única advém da teoria das ZMO que nos diz: um país pode abdicar da utilização do instrumento cambial para fazer face a problemas de ajustamento interno e externo resultantes de um choque assimétrico, se existirem, em alternativa, mecanismos automáticos de ajustamento, a saber três:
  • mobilidade internacional de factores
  • flexibilidade salarial
  • transferências financeiras

A teoria desenvolveu-se num ambiente em que o trade-off inflação-desemprego constituía a referência fundamental para a condução das políticas macroeconómicas. Entretanto o trade-off deixou de ser considerado como existindo no longo prazo. As variações cambiais deixaram de ser vistas como uma forma eficaz de assegurar a competitividade externa das economias, para passarem a factores de amplificação dos desequilíbrios internos e externos e de perda de credibilidade das autoridades monetárias. A teoria evoluíu, passando a dar maior atenção aos diferenciais das taxas de inflação entre países e à existência de processos de convergência económica, como condições para o sucesso da introdução de uma moeda única.

A teoria das ZMO fornece o referencial mais utilizado para avaliar os prós e contras de abdicar da moeda nacional. Os custos da moeda única situam-se ao nível da estabilização macroeconómica, os benefícios ao nível, sobretudo, dos ganhos de eficiência microeconómica.

Todos os países são diferentes, ocasionando, dessa forma:

  • diferentes respostas aos choques assimétricos
  • diferentes preferências em termos de desemprego e inflacção
  • diferenças nas instituições do mercado de trabalho
  • diferenças quanto à mobilidade laboral e flexibilidade salarial
  • diferenças nas taxas de crescimento económico dos países
  • diferenças nos sistemas fiscais
  • diferenças no grau de abertura

Do lado dos benefícios teremos:

  • redução dos custos de transacção
  • redução das taxas de juro
  • diminuição da inflação
  • diminuição da incerteza cambial.

O recente alargamento a 10 países, o maior de sempre, acarretou como esperado, problemas a vários níveis: condições de apoio menores do que em alargamentos anteriores; aumento das dificuldades de adesão à moeda única; diluição do conceito de criação da UE (dos princípios criadores); transferencia do projecto da UE para a arquitectura política; não existência de ideias francamente mobilizadoras.

O papel do euro como unidade de conta, como "moeda-refúgio", depende de factores como a sua estabilidade cambial, peso da zona euro no comércio internacional, preferências nas transacções e política cambial de países terceiros.

Como foram calculados os critérios de convergência em Maastricht:

  • é possível demonstrar a relação entre o défice orçamental e a dívida pública em % do PIB, com uma simples relação matemática: d=yb, em que d=D/Y, b=B/Y e y=dY/Y, onde D é o défice orçamental, B a dívida pública e Y é o rendimento, todos em valores absolutos, excepto o rendimento (valor nominal).

Aplicando as condições do tratado, a igualdade d=yb reduz-se a: 3%=5% x 60%, o mesmo é dizer, assumir o crescimento do produto nominal em 5%, valor próximo do que se registava na Alemanha. Existíu então, como agora, arbitrariedade na fixação dos critérios, nada tendo a ver com a teoria das ZMO.

Ao alterar as regras do PEC, que como se víu foi "construído" à imagem e semelhança da economia alemã não merecendo, por tanto, uma defesa fervorosa nos seus princípios, os países passam a estar sujeitos a critérios menos rígidos do ponto de vista da despesa, influenciando directamente o défice orçamental e os diferenciais das taxas de inflação entre países da zona euro e os critérios de convergência. Os pilares de sustentação do euro desmoronam-se. Ninguém pode acreditar, em seu juízo, que perante o deslizar de umas economias em relação a outras as paridades fixadas se possam manter. Não existem sistemas de vazos comunicantes entre as economias europeias, (não existe um sistema fiscal único, não existe um modelo de estado-providencia único) e as verbas dos fundos comunitários (para Portugal têm funcionado como indemnizações e não como subsídios) são cada vez menores e mais divididas.

Um euro em Portugal não poderá valer o mesmo que na Alemanha, à paridade actual, se a performance económica portuguesa se fôr afastando, irremediávelmente, da performance alemã. É discutível o conjunto de critérios que permitem fixar paridades entre moedas, mas não podemos esperar que estes critérios se alterem quando as prestações económicas são frouxas. Aqui surge o espectro da estabilidade cambial do euro. Não será por acaso, que no mesmo dia em que é anunciada a revisão do PEC, o dólar recuperou perante o euro.

Nada é certo neste momento, a não ser que os interesses alemães passam pelo centro e leste europeu, os francesses pela manutenção da ideia política subjacente às CE, os ingleses pela manutenção do binómio liberdade de movimento de capitais-política monetária controlada, com taxa de câmbio flutuante e Portugal bem encostadinho a Espanha, cheio de problemas estruturais, a produzir muito pouco e a consumir mais do que pode, a correr para os bancos da escola para aprender castelhano. A Europa dividida por interesses económicos regionais, a várias velocidades, como sempre esteve, mas desta feita assumidamente.

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