15.3.05

Humberto Eco na Reinauguração da Biblioteca de Alexandria

"A Humanidade tem três tipos de memória.

A primeira é orgânica, a memória feita de carne e sangue, administrada pelo cérebro.
A segunda é mineral e, neste sentido, a humanidade conheceu dois tipos distintos de memória mineral: a milenar, representada por obeliscos, pirâmides e textos em pedra gravados. Contudo, este segundo tipo de memória é, igualmente, a memória electrónica dos computadores actuais, baseada no silicone.
Conhecemos, igualmente, um outro tipo de memória, a vegetal, representada pelos primeiros papirus, e depois nos livros, feitos de papel.
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As bibliotecas foram, ao longo dos séculos, o meio mais importante de preservar o conhecimento colectivo. Foram, e ainda são, uma espécie de cérebro universal onde podemos recuperar tudo o que esquecemos e, bem assim, tudo o que ainda não conhecemos. Se me é permitida a metáfora, uma biblioteca é o que de mais parecido existe, dentro dos condicionamentos humanos, com uma mente divina, onde todo o Universo é visto e percebido ao mesmo tempo. A pessoa capaz de guardar na sua memória todo o conhecimento encerrado numa grande biblioteca, aproximar-se-ia, de certa forma, da mente de Deus. Por outras palavras, inventámos as bibliotecas porque sabíamos não dispor de poderes divinos, mas demos o nosso melhor para os imitar.
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A minha fé nas bibliotecas é optimista. Pertenço ao número de pessoas que ainda acreditam que os livros impressos têm um largo futuro e que todos os medos à propos do seu desaparecimento é, apenas, o último exemplo de outros tantos medos, ou o terror milenar sobre o fim de tantas outras coisas, inclusivé o próprio mundo.
No decurso de muitas entrvistas tenho sido confrontado com perguntas deste tipo: "serão os novos meios de comunicação eletrónica capazes de tornar os livros obsoletos? Tornará a Web a literatura obsoleta? Será a nova civilização hipertextual capaz de eliminar a própria ideia de autoria e direitos de autor?". Como podem constatar, se tiverem uma cabeça bem organizada e limpa, verificarão que estas são questões todas diferentes umas das outras e, considerando o modo apreensivo como são colocadas, qualquer um poderia pensar que o entrevistador se sentiria descansado quando a resposta é: "Não, fique descansado, está tudo bem". Puro engano. Se se responde assim a este tipo de pessoas que os livros, os direitos de autor, a literatura, não irão desaparecer, eles ficam desesperados. Onde está então a verdadeira questão? Publicar a notícia de que alguém que ganhou um Prémio Nobel morreu é um artigo e peras: dizer que o indivíduo está bem não é notícia para ninguém, excepto para ele próprio, presumo".

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