Citando os “Maias”, obra sublime de Eça de Queiroz:
” - Falhámos a vida, menino!”.
Ega, no regresso de Carlos, de Paris.
Hoje, quando nos voltamos para os nossos filhos e amigos confrontados com a escassez de oportunidades na vida, com um dificílimo reconhecimento social, saídos de universidades portuguesas mal cotadas no “ranking europeu” resultado da Convenção de Bolonha e forçados a aprender espanhol se quiserem consultar um médico dizemos, tal como Ega:
”- Falhámos Portugal, meninos! Falhámos a nossa vida e, mais grave, a vossa!”
Esta é a montra deste livro, da incompetência política, do compadrio, da ausência de valores, do vale tudo em que se transformou esta Nação, a nossa Pátria. E a Pátria não se discute.
Ainda Eça:
"O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. (...) "
As preocupações crescentes de perca de soberania económica, mais não são que a consequência directa de uma política feita, nos últimos trinta e sete anos, mais no respeito do internacionalmente correcto e, nos últimos vinte e cinco, de uma obediência cega a Bruxelas, acompanhada por uma classe política impreparada e pouco ou nada dotada para o exercício de cargos e funções públicas, ocupados que estes são, sistematicamente, por actores políticos que encontram nas suas nomeações sentidos claros de prémios político-partidários e muito menos de reconhecimento de reais competências, para os respectivos desempenhos.
Aliás a constatação surge-nos, clara, quando verificamos os cortes nos vencimentos e regalias estabelecidos, bem como nos anos de mandatos possíveis de efectuar.
Caso o exercício político fosse consagrado como sério e competente, sendo estas premissas fundamentais aquando das nomeações para cargos políticos, estes, os políticos, deveriam ver as suas remunerações crescer à imagem do crescimento económico e social do País, como forma de chamar os mais capazes para a causa pública e premiar os mais competentes. Igualmente, através do voto, as populações saberiam distinguir entre a competência e a inacção políticas e determinariam, sem constrangimentos e em consciência, os seus representantes autárquicos, quer sejam eles nacionais quer sejam locais.
Não é esta a realidade.
Em Portugal vota-se em partidos e não em pessoas, e os partidos premeiam não os melhores mas todos aqueles que em nome de uma disciplina partidária, se sujeitam a todas as situações, se adaptam a todas as circunstâncias. É premiado o seguidismo, as "entourages" e não o livre pensamento e discernimento, sendo mesmo proibido inovar e propor caminhos alternativos.
A política é redonda, os discursos são redondos, as responsabilidades são nulas.
O sistema protege a mediocridade.
Haverá verdadeira liberdade num País colonizado no séc. XXI através do pior instrumento colonizador inventado pelo homem, o económico, onde são crescentes os sacrifícios pedidos à população e onde já não cabem razões tantas vezes invocadas de aumento da qualidade de vida, dos serviços primários, da saúde e da educação ou, pelo contrário, será essa liberdade maior num País onde o seu povo sofrendo carências menores e de menor risco nacional pode, contudo, de pleno direito e de sua livre vontade conspirar contra o regime político que o governa?
O homem é um animal conspirador e eu afirmo, convictamente, que prefiro a segunda à primeira.
Existem razões para considerar que é redundante a crítica política no nosso país.
A grande questão não reside na crítica política e económica constante, protagonizada à vez pela oposição, aos governos PSD e PS que se sucedem. A grande questão, a enorme questão reside no facto de uns e outros não terem soluções para os problemas económicos e sociais do País, porque o País, de tão mal orientado nas últimas décadas, não apresenta saídas possíveis.
As economias, todas elas, necessitam de gozar de proteccionismos de peso maior ou menor, consoante a sua pujança económica, a inserção geográfica, o grau de desenvolvimento e o momento temporal considerado. Se assim não fosse não haveria razão para preocupações com os têxteis chineses nem teria havido motivos válidos para a última cimeira entre China e União Europeia nesta matéria.
Se o princípio é válido para regiões geográficas económicas diferentes, terá de se encarar como igualmente válido para países com geografias económicas diferentes, mesmo que façam parte o mesmo continente. Assim, este princípio é válido para o conjunto de países inseridos no Continente Europeu.
A economia portuguesa não sofre das mesmas idiossincrasias nem apresenta os mesmos atributos que a economia francesa, como esta não se assemelha à economia alemã, nem esta à inglesa.
Tratar todos por igual só pode conduzir ao acentuar das diferenças, ao aumento das desigualdades, favorecendo os mais fortes e enfraquecendo, progressivamente, a capacidade de resposta dos mais fracos.
A linha férrea é sempre a mesma, na perspectiva económica, não sendo possíveis as ultrapassagens, mas tão-somente a aproximação e possível colagem, quando falamos de regiões geográficas da dimensão europeia e pretendemos impor regras económicas iguais, a todos os países que compõem essa região. Perante as mesmas regaras e obrigações, Portugal nunca almejará atingir os valores de rendimento da Alemanha, da Suécia ou mesmo do Luxemburgo, porque parte com armas mais pequenas para uma batalha que lhe exige o mesmo tipo de comportamentos: só com “crimes de guerra”, na óptica dos todo poderosos países europeus, é possível a um país como o nosso atingir rendimentos superiores, mesmo que o objectivo não passe senão da média europeia.
Portugal tem enfraquecido progressivamente ao longo dos anos, com pouco para oferecer se exceptuarmos a demagogia.
O problema é estrutural pelo que, hoje por hoje, é igual ser o PS ou o PSD a governar: são igualmente impotentes para travar o descalabro do rendimento nacional e, em economia, não existe um D. Sebastião.
Toda a propaganda que inunda as nossas maiores cidades na procura de votos é, na sua maioria, patética. Os slogans repetem-se ao ritmo das promessas vetustas, todas bem acompanhadas por sinais claros de ausência de qualquer planificação nacional, numa ilustração cabal da ausência de respeito para com a população portuguesa.
A falta de respeito marca fortemente a actuação política - onde todos somos tratados como indigentes mentais - quer falemos do governo central quer falemos das Câmaras Municipais.
Os raros exemplos de cuidado urbanístico e respeito pelas populações e cidadania, surgem nalgumas localidades no Alentejo, no Minho e em Castelo Branco. Todo o restante País é o espelho desgraçado da bandalheira política a que, forçados, nos temos habituado a suportar nos últimos trinta e sete anos.
Longe vão os tempos da discussão política acesa, dos disparates da acção política mas igualmente da crença depositada na 3ª república. Hoje os políticos estão desacreditados, a discussão política é insípida e vazia de conteúdo, feita de aproveitamentos de circunstância nos temas escolhidos, muito dirigida para a árvore e longe da capacidade de visão do global. E quando esta é abordada, inundam-nos de lugares comuns e de muitas asneiras.
Hoje não se acredita no sistema nem se acredita nas pessoas, porque o sistema, cá como lá fora, não responde às necessidades das populações e os políticos estão todos presos por rabos de palha, tão grande tem sido a promiscuidade quer interpartidária, quer intrapartidária. O exercício do poder consagra-se, fundamentalmente, pela ausência de acção política.
A lógica (?) que impera é a da classificação da pouca-vergonha, ao estilo dos concursos de beleza; o importante é a comparação. Se alguém sabe de outrem, sendo que a única diferença é o conhecimento ou não público do facto, avança na lógica(?) do mal igual ou menor.
Todos ou quase, porque de excepções ainda vive o mundo, têm o rabo preso e todos eles são de mais para este desgraçado País, como facilmente se constata pelo estado calamitoso a que a economia, a saúde, a educação, a justiça, o amparo social e a política chegaram.
Em última instância, o que foi escrito equivale a afirmar, em definitivo, que o sistema está fortemente viciado, empobrecido e carente de qualidade.
Os tempos são, então, forçosamente de mudança.
"Happiness would arrive one day and to hasten its arrival I did everything that a good Portuguese and a constitutionalist could do: I prayed every night to Our Lady of Sorrows and bought lottery tickets, the cheapest available."
Eça de Queiroz”. (Eça de Queiroz, “The Mandarin”, 1880).
A miséria em Portugal passa os limites do sustentável, e já não só ao nível social, mas sobretudo ao nível moral. Ser rico, falar como rico, comportar-se como rico e assumir postura de rico é exercício fácil. Ser pobre, viver com as dificuldades de uma existência programada ao cêntimo e, ainda assim distribuir, é que é um exercício difícil. Na faixa, cada vez mais larga, de população afectada pela miséria extrema, ainda é a solidariedade pessoal que vai minorando o sofrimento de todos, muitas das vezes feita através da redução de um já parco sustento, para dar a quem nada tem. Para estes, qualquer coisa é muito. E a miséria é, ela própria envergonhada. E as instituições jogam com esta vergonha.
Todas as classes profissionais fazem ouvir a sua voz, se manifestam e gritam desigualdades. Os pobres não se ouvem, são uma enorme maioria silenciosa, circunscrita a um canto da sua própria existência, sofrendo na alma a agrura da indigência, e perguntando-se, com inteira razão: porquê!?!
A resposta é difícil de articular, porque é muito complexa.
É possível, mas difícil, repito.
Mais ainda quando as investigações sobre corrupção, branqueamento de capitais e fuga ao fisco chegam a algumas das cabeças pensantes do país político nas últimas décadas.
Felizmente não todas, mas as suficientes para nos preocupar e nos fazer meditar sobre as reais preocupações que têm presidido ao quotidiano nacional nas últimas três décadas.
A questão já não é só política. A questão deixa mesmo de se revestir de carácter político.
A questão é mais profunda. O problema é nacional.
A dúvida instala-se na mente: a politica nacional está repleta de medíocres (não todos felizmente, que há gente aproveitável), não porque os aparelhos partidários sejam máquinas de produzir imbecis, mas porque estes procuram os aparelhos partidários para aí se acoitarem, incapazes que são de se integrarem num contexto externo à política, muito mais sofisticado e – neste caso específico, sofisticação significa complexidade e não desconhecimento como geralmente acontece – muito mais exigente.
São mesmo empurrados para a política por agentes externos, servindo de peões de movimentações muito mais intrincadas, mix de interesses particulares fulanizados e interesses nacionais malbaratados.
Os pobres são-no cada vez mais, em número e circunstância.
Os ricos são cada vez mais ricos. O País, eivado de dificuldades, ferido de morte no crescimento económico, víu florescer ricos, enquanto se afundava na pobreza.
A responsabilidade partidária, enquanto conjunção de pensamento e acção política, reside na vaidade do homem político, na incapacidade que este tem de se despojar do estatuto, de assumir riscos, de romper com o passado.
Que este homus politicus fosse capaz de deixar as convicções políticas que perfilhou (os políticos sérios e não os de pacotilha), ultrapassadas entretanto pelos acontecimentos económicos mundiais, congregando-se numa força inteligente de homens bons e de bons costumes, adaptada e flexível aos novos tempos e desafios e, uma vez abandonada a militância político/partidária actual (envergonhada nos mais capazes), se centrassem num pensamento: Portugal; acima de tudo Portugal.
Que se questionem: porque razão alguns terão direito a assistência médica cuidada e acesso à educação e outros, tantos, mas tantos, nem acesso a uma sopa têm, se não a esmolarem.
Não falem em exclusão social, não falem em pensões e reformas mínimas, se o discurso e vontade política por aí se ficar. Há que tratar de todas estas situações de verdadeira injustiça, mas acima de tudo há que assumir o estatuto de Homem, livre, pensador mas, acima de tudo e todos, empreendedor, construtor e edificador de linhas rectas, capaz de afastar o bruto e se centrar na sabedoria, contribuindo, não já neste tempo certamente, para uma verdadeira distribuição equitativa da riqueza, tempo em que o homem mostrará respeito por si próprio e pelos demais.
Que esses homens e mulheres se desliguem de aparelhos partidários, nos quais não se reconhecem mais. Que esses homens e mulheres capazes se juntem, em harmonia, num sentido profundamente nacional, para em definitivo se empurrar Portugal, fazendo-o sair do limbo onde se encontra.
Que emprestem toda a sua capacidade, inteligência e mediatismo que o País lhes concedeu, a esse mesmo País. Que paguem esse tributo.
Que segreguem politicamente quem sabem não servir, não prestar para Portugal e, com todos os outros Homens de bem, construam um outro Portugal.
A factura do 25 de Abril é demasiado elevada e a população não tem como cobrir o valor.
A ruptura no sistema é inevitável. Mesmo decorrendo de forma parcimoniosa, suave, gradativa e tantas vezes quase imperceptível. Porque as revoluções podem vir a assumir contornos radicais sem que tenham brotado de processos revolucionários, no sentido dado por Kant.
Constituindo-se a política numa esfera de influência inteligível ao nível da moral é, por obrigação mais do que por definição, uma relação entre governantes e governados, entre quem tem a obrigação de dirigir e quem tem de se submeter às decisões.
É claro que num regime político democrático esta relação tacitamente aceite se baseia em princípios antigos, do bom e do mau governo (da boa ou da má moeda), da conquista do poder e da forma como ele é exercido, da separação entre o poder político e o poder judicial, de quais os poderes que lhes são atribuídos, como se distinguem e interagem, como surgem as leis e como se procede no sentido do seu cabal cumprimento.
Do indivíduo singular não se ouve falar em direitos, senão circunstancialmente, mas acima de tudo de deveres – obediência às leis, transparência fiscal, comportamento cívico e moral.
Esta será a leitura do ângulo dos governantes, mas é possível fazer idêntica leitura do ângulo dos governados.
Quando deixamos de considerar estes como um grupo coeso, de princípios morais comuns, regidos pela face dos deveres, e os consideramos como o somatório de vontades individuais, olhados à face dos direitos, percebemos que estamos a falar da mesma moeda, mas também de uma inflexão no registo político aceite, de uma revolução radical nas ideias, dogmas e preceitos comummente aceites.
Quando, individualmente, cada cidadão dá como bom o princípio de que em termos políticos já não existem diferenças; quando a análise a candidaturas políticas individuais é feita com total indiferença pelas personalidades em confronto, na convicção de que são todas iguais; quando esta indiferença nasce da certeza que o poder da mudança não reside nas vontades políticas partidária ou pessoais; quando, finalmente, nos damos conta de que esta interiorização individual da potência política é o sentimento generalizado do colectivo, assistimos, em definitivo, a uma mudança na face da moeda, a uma concepção lockiana onde os direitos naturais são a resultante de uma concepção individualista da sociedade, da essência do Estado e que este é e representa o colectivo.
E representa bem ou mal, com a diferença de que o colectivo, somatório das percepções individuais, agora se dá conta e exige explicações para a boa ou má governação.
Se os políticos, individualmente considerados, não conseguem transmitir qualquer sentido ou objectivo político à acção governativa, eles próprios, não intencionalmente, subscrevem a tese de que a política nada tem a acrescentar no formato actual e que, enquanto cidadãos individualizados, se debatem com o mesmo problema e dilema dos demais indivíduos – como aceitar (ou impor) tantos deveres, sem sentir (garantir) a existência de direitos.
O Sistema mostra-se então gasto.
"Posso finalmente sair de Portugal (pelo menos tenho passaporte), e bastou essa certeza para me tirar toda a fúria de deixar isto."
Miguel Torga, 27 de Junho de 1950, a propósito do termo do impedimento de se ausentar do País.
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