5.4.11

Se o FMI entrar, teremos 20 anos de miséria pela frente

Aquilo que peço ao leitor hoje é paciência.
Paciência para seguir as linhas, percorrer o raciocínio, dobrar as esquinas das palavras e entrar no labirinto das leituras entrelinhadas, dos raciocínios lógicos, ultrapassar, em suma, as premissas dos discursos oficiais e as ideias preconcebidas.
O que prometo no fim, é uma maior clarificação do que está hoje em causa em Portugal, para os portugueses e o seu futuro.

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Na crise dos mercados asiáticos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi chamado a intervir. Dessa intervenção resultou a criação de enormes reservas de liquidez nesses países, por imposição das medidas económicas traçadas pelo FMI.
As reservas de que falamos serviram, mais tarde, como num sistema de vasos comunicantes, para fluírem das economias asiáticas, superavitárias, para os Estados Unidos e a Europa, deficitários; as ligações fortíssimas entre instituições financeiras, os novos instrumentos financeiros, os juros baixos, o boom no crescimento de preços dos activos derivado da facilidade de acesso ao crédito fizeram o resto: a maior crise económica e financeira de que há memória.
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O FMI alega hoje que faltou regulação, acima de tudo, depois de ter contribuído para os excedentes de liquidez dos países asiáticos: do outro lado da barricada, estão aqueles como eu que defendem que os desequilíbrios entre economias foram o rastilho, que proporcionou a crise financeira.
O FMI defende, hoje, a criação de mecanismos de regulação, não das instituições mas da própria actividade, independentemente do nome das instituições, bancos, edge funds, private equities.
Infelizmente e uma vez mais, há como que uma enorme incongruência no que o FMI pretende e tem vindo a apresentar nas reuniões do G20, e a realidade da acção quotidiana.
A questão não é de regulação por si só mas, acima de tudo, tentar adivinhar de que forma os banqueiros e para-banqueiros irão conseguir iludir aos instrumentos regulatórios, sejam eles quais forem. Parece que a solução agora proposta teria impedido a crise que se vive, mas não há como ter a certeza se evitará outra qualquer crise futura, de contornos diferentes. No fundo é o velho ditado: "depois de casa assaltada [....]. Este é o princípio que rege o funcionamento do FMI: medidas retardadas para problemas presentes, com enormes repercussões futuras.
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No fim do dia fica a moral: quando o FMI entra, alguma coisa sai prejudicada.
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Fala-se agora, mais do que nunca, numa necessária entrada do FMI em cena, em Portugal.
O problema que se pretende resolver é o da falta de capacidade de solvência nacional, por outras palavras, da capacidade de pagar os seus compromissos para com terceiros. Para efectuar estes pagamentos, Portugal precisa de se endividar ainda mais, num lado, para poder pagar dívida, no outro. Ao mesmo tempo necessita de reduzir o défice público, como forma de reduzir drasticamente a despesa do estado; falamos da despesa não produtiva.
Só assim será possível ir reduzindo o défice público anual e a consequente necessidade de empréstimos. Mas uma pergunta salta à vista: estando-se a pagar com dinheiro que se pede emprestado, acaso a economia nacional não aumente a produtividade, como se irá pagar o que agora se pede?

Porque o FMI irá fornecer fundos para Portugal efectuar pagamentos unilaterais, sendo claro e certo que os custos associados à entrada de capitais e gestão do FMI em Portugal, ultrapassa em muito os benefícios esperados. Não entram recursos na economia portuguesa; entram capitais para entregar a terceiros que esperam pelos seus pagamentos.
As razões, apontadas pelo FMI, que justificam a crise portuguesa: despesa pública descontrolada, alavancagem exagerada de particulares e empresas e política fiscal desadequada. Recomendações: austeridade na despesa, redução dos rendimentos das famílias, restrições no acesso ao crédito de famílias e empresas e aumento da carga fiscal, directa e indirecta.
Estas medidas têm uma leitura imediata e um nome claro: recessão e, posteriormente, depressão (passa-se muito rapidamente de um estado ao outro).
É de esperar uma queda de 10% no Produto Interno Bruto (PIB) nos primeiros 18 meses de medidas do pacote FMI. Esta é uma situação de depressão profunda e clara. Ademais, surge um problema: mesmo com um controle desmedido sobre a despesa pública, esta tenderá a subir, pelo agravamento dos juros da dívida soberana. Por outro lado, a recessão / depressão, conduzirão a uma crescente diminuição da receita do estado, pelo que a redução da despesa pública (sem juros da dívida) não será tão impactante quanto o necessário.
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Portugal está refém de uma espiral de dívida, esta mesma reflectida nos sucessivos cortes de rating da República. Não é possível recuperar o país economicamente através de políticas de austeridade constantes, sejam fiscais, sejam de consumo, sejam de cortes no investimento público (não há necessidade de construir o TGV, ruínoso, nem sequer o novo aeroporto, por falta de verbas,mas há necessidade de incrementar a economia - várias medidas possíveis - de investir no conhecimento, de formar matemáticos, de educar economicamente a população).
É minha convicção que Portugal estaria em melhores condições de encarar o seu futuro económico, rejeitando toda e qualquer ajuda do FMI e negociando moratórias para a sua dívida, embora reconheça que este caminho também comporta riscos: mas uma coisa são os riscos inerentes à nossa própria política económica; outra são os riscos das políticas económicas impostas por terceiros.
A aplicação duma política de moratórias, permitiria aplicar os fundos gerados na economia, no crescimento da própria economia, até que atingisse um crescimento sustentado. Exigir-se-ia uma intervenção directa do estado no reavivar da actividade económica, não podendo este ficar à espera do investimento privado, nacional ou estrangeiro, para dar início às políticas económicas reformistas.
Sei que medidas deveriam ser tomadas, mas não cabe neste artigo a sua enumeração, nem o faria com essa ligeireza.

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No essencial, o que se pede politicamente é a capacidade de , a par de uma política dirigida aos mais carenciados, traçar um plano capaz de reavivar a produção e o consumo, princípios fundamentais para qualquer recuperação económica.
Se o FMI entrar em Portugal, estaremos condenados a 20 anos de miséria.





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