30.5.10

A liberdade invadida pela política matou a democracia.....
Homens afadigados e eficientes, que não se separam nunca dos seus telemóveis ou computadores portáteis, homens que se transformam no símbolo de um mundo essencialmente relacional. Um mundo de liberdades mas de total ausencia de democracia. A questão não é saber "quem sou ?" mas sim saber "com quem falas ?".
As pedras movimentam-se na construção de imensas catedrais de dinheiro virtual, onde se praticam cultos enraízados na frenética evolução tecnológica, que permite o crescimento impensável das negociações e das inter-relações, num crescendo de mais contactos, mais ligações em rede, mais interconexões.
Este crescendo é acompanhado, obrigatoriamente, por uma mediatização voraz, alucinante, tipificada em sinais: os sinais monetaristas do dinheiro.
Perdem-se os princípios, substituindo-os por modus operandis.
A sociedade operacionalizada está lançada, sem que se saiba bem como e onde vai desembocar. As ideologias foram substituídas por processos, processos que conduzem a maior parte da população ao conformismo, deixando campo aberto para todos os outros, poucos, que funcionam abertamente em rede.
Uns agem impulsionados por todos os outros que com eles se ligam em rede, sem vontade própria, porque já se perdeu o indivíduo, mas como elementos-chave de uma enorme máquina: os outros assistem, amorfos, dando como certo o dinamismo da máquina, a impossibilidade de lhe traçar fronteiras, o princípio "imutável" de que sendo as leis as mesmas, só poderão existir estas e nenhumas mais.
E o Mundo avança para um declive perigoso, arrastando todo o sistema e arrostando grandes percas. O Mundo tem consciencia que é impossível estender a lógica industrial a toda a sua dimensão; o homem sabe que esta lógica de industrialização tem limites, porém insiste em procurá-la, deslocalizando fábricas, produzindo cada vez mais, na assumpção de que haverá sempre quem consuma o que se produz.
Os homens trabalham sem sentido: uns miseravelmente pagos, nas enormes unidades industriais que alimentam o homem regulado, controlado e livre; os outros executando funções que, sabem-no bem, não geram valor mas pressupostamente prestam serviços aos demais homens regulados, controlados e livres.
Curiosamente o comunismo pretendeu dar um sentido ao trabalho de todos os homens, como resolução do conflito que opôs a revolução industrial à incapacidade do homem livre consumir todos os bens que produzía. Mas fracassou e o mundo industrializado foi substituído pelo mundo frenético das novas tecnologias, da mediatização e da especulação financeira - dos serviços. Nem a verdade da relação social entre os homens se explica neste mundo, como verificamos agora bem demais, nem tão pouco se explicava no comunismo.
Temos hoje a noção de que se construíu este mundo sob um chão arenoso, faltando-lhe a consolidação do betão, o mesmo é dizer da criação de riqueza, para que pudesse ser um mundo definitivo. Não é.
Pouco importa se há revanche política em Portugal, hoje em dia, se os actores políticos são garantes de estabilidade, ou de crescimento, ou seja do que for; na realidade nenhum actor político tem a capacidade de alterar o caminho que se abre sob os nossos pés. Percorremos uma ladeira, cada vez mais íngreme, aumentando a velocidade da descida, mesmo sem querermos, mas compelidos pela inclinação e pela gravidade. Já quase corremos, e mesmo olhando à direita e à esquerda, procurando saídas deste trilho único, temos a consciencia de que qualquer saída tem de ser preparada muito antes de ser vislumbrada e, que mesmo assim, é necessário que exista e que se tenha adivinhado qual é.
Vamos tentando diminuir a marcha, dando encontrões no muro que nos limita o caminho e que nos obriga a seguir em frente. Arranhamo-nos, aqui e ali, cada vez com mais frequencia, obrigando a dolorosas passadas conforme avançamos. Existe uma causa comum, que nos une na insatisfação com que descemos a vereda: o reconhecimento de que já não nos reconhecemos no nosso país; que o país que é nosso já não serve os nossos intentos, as mais básicas necessidades; que o caminho que percorremos não é o nosso. Vemos como a miséria grassa, a solidariedade rareia, a segurança desapareceu, as ideias não servem os propósitos e sentimos o desnorte de quem nos disse, anos a fio, que nos colocaria no bom caminho.
Será este um problema de ideias políticas ? A manifestação de ontem em Lisboa mostrou que não: o fim comum a toda aquela gente não era uma contestação específica, de índole política, de receio de perca de garantias, de direitos.
A razão única que unia todos os manifestantes foi a insatisfação para com o seu país, com o seu futuro, próximo e longínquo.
Era ouvi-los a reclamar, disto e daquilo e ainda daquele outro mal que os assola. Não existia um discurso condutor na reclamação: reclamava-se de tudo, por tudo, contra tudo, em suma, reclamava-se com o país.
Não é então de política que se necessita nesta hora; não é de debate político que estamos carenciados. Portanto, não importa se A é estabilizador, se B se quer vingar, se C será melhor Primeiro-Ministro que D, se a direita se une contra a esquerda, se há vários candidatos, se a esquerda escolhe só um, se ganha este ou aquele, ou mesmo se o governo dura um mes, seis meses ou quatro anos.
Estamos em plena ladeira e a solução já não passa pela ideia política, nem pela impossível mas igualmente ineficaz união política, se existe bloco central ou se o bloco é de esguelha.
O caminho é estreito, murado, cada vez mais inclinado e a vista começa a ter dificuldades em encontrar, a tempo, saídas.
O tempo não é de discussão política, porque ineficaz. O tempo tenderá a ser, então, de aprofundamento moral, de consolidação da ética, dos valores éticos e morais aglutinadores de uma Nação.
É da noção de responsabilidade comum a todos, que nascerá o limite de um mundo capaz de circunscrever a ambição dos homens. A questão é ética, acima de tudo.
Esta liberdade invadida pela política fez sossobrar a democracia e "matou" a liberdade. Só libertando a "liberdade" da política será possível fazer renascer a democracia, pela ética e moral. Só em democracia existe verdadeira liberdade.
Este Estado já não é democrático há muito e deixou de ser um estado de liberdade para muitos, quase todos, há muito também. A liberdade actual é só para uns poucos, mas já não "cheira" a liberdade para todos os outros.
Exige-se consciencia onde hoje sobra oportunismo. Exige-se ética (aristotélica) onde hoje só se encontram interesses individualistas. Impõe-se uma razão onde se encontram interesses obscuros, sabedoria que substitua a inconsciencia.
É necessária independencia de espírito e enriquecimento das consciencias.
A ladeira inclina-se, todos os dias, cada vez mais, à nossa vista. O choque é iminente e não se descortinam travões capazes de nos fazer parar.
Vamos bater, violentamente, independentmente dos actores políticos, porque este mundo, o nosso, já não se faz de política, por agora.

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