15.1.09

Porque todos dependemos de todos...

Segundo afirmações do Primeiro-Ministro, o défice para 2008 será o mais baixo dos últimos anos. Descontado o factor publicista do anúncio, fruto da máquina propagandística do governo, interessa questionar se esta é uma boa ou má notícia. A conclusão é simples de tirar: é uma má notícia porque não tem qualquer significado, nem se retira qualquer leitura positiva.
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O défice português é fruto de despesa não produtiva, ou por outras palavras, por consumismo/despesismo puro do estado, não gerador de qualquer receita futura. Ainda por outras palavras, o mesmo é dizer que o estado não controla a sua despesa, gasta mais do que tem, endivida-se por essa razão e fazendo-o torna-se cada vez mais pobre.
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Interessante seria que o estado investisse na economia - despesa de investimento, geradora de receitas futuras - e não necessáriamente em obras públicas, mas em parcerias público/privadas, fomento da educação da matemática, criação de zonas geográficas com polos sectorias de investimento, fomento de parcerias estratégicas entre capitais nacionais e externos, facilidades fiscais por regiões, concedendo liberdades maiores nesta matéria às autarquias locais, entre muitas outras formas possíveis de investimento público, para além das costumeiras obras públicas.
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Através deste investimento/despesa produtiva o estado garantiria receitas futuras, sendo então razoávelmente indiferente o nível do défice que apresentasse. De acordo com cálculos simples, poderíamos afirmar que se o endividamento fosse de 70% e o crescimento da economia de 3%, o défice não produtivo poderia ser de 2,1%, acrescido do valor percentual da despesa de investimento estatal. Se esse investimento representasse 1,5%, o défice total seria de 3,6% e não viria mal ao mundo. Se daqui decorresse um crescimento anual de 3,5% do produto, com endividamento externo de 75%, o défice não produtivo poderia subir para 2,6%. Acaso se verificassem sinais de retracção económica, então o valor seria revisto em baixa.
Para que este exercíco fosse possível seria necessário ter controle sobre a despesa pública, coisa que o estado português não tem. E era esta a notícia que todos gostaríamos de ouvir: o estado já controla a despesa pública.
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Porém este controle é impossível, porque a despesa não produtiva está, efectivamente, descontrolada. De acordo com um estudo recente, que será tanto quanto sei publicado brevemente, a despesa auto do sector público estatal, leia-se autarquias central e locais e hospitais públicos (ficam de fora as empresas e instituições onde o estado participa) situa-se num valor à volta dos mil milhões de euros. É um valor perfeitamente absurdo, contudo se pensarmos na quantidade de directores, sub-directores, adjuntos, autarcas, chefes de gabinete, secretários e sub-secretários de estado, ministros e todos os outros que não referi, que têm direito a automóvel e motorista, provávelmente aquilo que nos pareceu absurdo, o valor em si, já não o é, passando a absurdo o despesismo em si próprio, deste estado pobre que tem tiques de novo-riquismo, que nem os estados ricos têm.
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É aqui que surge o problema. O estado é o primeiro a conceder privilégios despropositados, perdendo por esta via a capacidade de se autoregenerar ao nível do seu próprio consumo.
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Mas há um segundo problema e esse é de leitura político-económica. A contenção do défice é interessante sobre vários pontos de vista, mas sobretudo sobre matérias do foro da política cambial. Estando Portugal na zona euro, a obsessão pelo défice não faz sentido. As paridades estão de há muito estabelecidas e um euro é um euro.
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Quando existia o escudo, a política de um escudo forte era saudável.
Ainda há pouco teorizava com alguém que me é muito querido, sobre esta matéria.
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As economias para crescerem têm de estar sustentadas. A sustentação demora, pelo que o crescimento económico é, forçosamente, um processo demorado. Só depois de se verificar um crescimento sustentado podemos falar de desenvolvimento económico, que engloba outras coisas, muitas, que nada têm a ver com défices, receitas, despesas, investimentos e produtos.
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Até 1973 a economia portuguesa esteve sempre a crescer. Quando falo de crescimento falo do Produto Interno Bruto (PIB) e não do Produto Nacional Bruto (PNB), para evitar já as más-línguas que poderiam apontar o factor "remessas de emigrantes" como razão para a afirmação que faço. Refiro-me tão e sómente ao PIB e, esse, esteve sempre em crescimento.
Aqui surge a confabulação de que falava anteriormente; acaso a política de Oliveira Salazar fosse menos restritiva na despesa pública, com muitas obras públicas, muitas estradas, muito défice, não teria sido possível manter o escudo forte. A ocorrência da perca de valor do escudo nos mercados cambiais implicaria, obrigatóriamente, um aumento do custo dos bens essenciais que tinham de ser importados (Portugal nunca foi auto-suficiente), com implicação imediata na carteira dos mais pobres.
Em simultâneo ter-se-iam vincado, ainda mais, as assimetrias regionais, facto que ocorre hoje em larga escala conduzindo à desertificação de enormes faixas interiores do território nacional, contribuindo para um empobrecimento geral da população.
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Assim, muito embora Portugal fosse um país pobre, era rico na sustentabilidade do seu crescimento, tendo-lhe permitido ultrapassar a crise petrolífera de 1973 com uma taxa de crescimento do PIB de 7% - a maior da Europa (quando os países europeus em média, no mesmo período, cresceram 1,3%).
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Provávelmente - eu diria mesmo com toda a certeza - os factos hoje provam-nos que o crescimento económico não é uma variável que esteja totalmente dependente de qualquer externalidade e deve ser encarado como um indicador de crescimento obrigatóriamente lento, sustentado, por forma a que os objectivos alcançados hoje não sejam questionados amanhã.
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Para tanto é necessário um estado conhecedor, preocupado com políticas sociais e avesso ao liberalismo.
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Infelizmente não há em Portugal, na polítca activa, políticos com pensamento económico e economistas com pensamento político. As duas matérias fundem-se de forma linda e é pena que se tenha perdido esse gosto.
São as duas ciências sociais, por definição inexactas, filosóficamente possíveis, com um fim comum: aumento do bem-estar com diminuição das assimetrias.
Resta-nos esperar por esta nova ordem político-económica.
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Porque todos dependemos de todos.

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