18.7.05

LONDRES, 07/07

Nem sempre é possível escrever sobre temas específicos, sem que o exercício da escrita fique refém do exercício mental necessário à avaliação das causas - lógicas ou ilógicas, sustentadas ou meramente especulativas - de acções que forçam, naturalmente, à análise das possíveis razões que lhes subjazem, sem que para tal não seja consumido um significativo espaço de tempo. Igualmente o nosso principal inimigo aparece invariávelmente sob a capa da incapacidade de percepção da razão das coisas, da dúvida que paira sem resposta, do receio do ilógico, do que seja mentalmente irracional. E irracional é toda a situação que rodeia a prática terrorista. Quando falamos de terrorismo falamos do Mal, no mais duro e hermético sentido do termo. É do "tempo do Mal" que falamos, é na "era do Mal" que vivemos.
Recuamos quinhentos anos e verificamos existir à data, na sociedade ocidental, um espírito de profundo radicalismo cristão, bem desenhado nas acções perpetradas pela Santa Inquisição.
Mas igualmente constatamos ter a sociedade ocidental evoluído no sentido da abertura religiosa e social, franqueando as suas fronteiras a habitantes de outras proveniências geográficas, de credos e convicções diferentes. Confiámos na nossa organização de sociedade para demonstrar, cabalmente, a esses novos membros que poderiam confiar naqueles que os acolhiam, através de manifestações de respeito continuadas pelas diferenças culturais constatadas.
Em quinhentos anos o mencionado radicalismo deu lugar a sociedades abertas, de acolhimento, onde se discutiram e consagraram direitos fundamentais e regras de comportamento em sociedade que julgávamos universalmente aceites por todos os que delas aproveitaram. Supostamente criaramos um mundo melhor que os demais e esse facto, por si só, seria factor de reconhecimento a considerar em todas as circunstancias.
Contudo, os recentes actos de terrorismo cuja justificação pública deriva de concepções e filosofias diferentes de encarar a sociedade, na génese de profundas diferenças culturais e religiosas, dando-lhe um cunho universal derivada de uma enorme escalada ao nível geográfico, abandonando as suas fronteiras naturais e invadindo o nosso espaço, obriga-nos a um exercício de recúo no tempo, que vai para lá dos idos de mil e quinhentos.
Recuemos então mais de mil anos, quando os povos árabes invadiram a Europa e aqui se estabeleceram.
As verdadeiras razões das guerras e colonizações são e serão sempre de índole económica. Mas as guerras têm de ter motivações mais fortes que sirvam os interresses de catalização dos povos no sentido da sua adesão e apoio incondicional.
Quando os árabes entraram na Europa a razão foi económica: necessidade de expansão e aproveitamento das riquezas de terras fertéis. Para o efeito criaram colonatos, garantindo a todos os seus conterrâneos que decidissem abandonar as suas terras optando por instalar-se nos territórios recém-ocupados total isenção de impostos.
Este mecanismo garantíu o fluxo necessário de população para os novos territórios mas gerou em pouco tempo, igualmente, um mecanismo perverso: os povos colonizados, menos arreigados às suas convicções religiosas, não hesitaram em converter-se ao islamismo, beneficiando no momento imediatamente posterior de igual isenção de impostos.
Os árabes não esperariam semelhante "migração religiosa", e estranhando o comportamento, para eles totalmente impensável - basta verificarmos a enorme quantidade de mesquitas que proliferam no mundo ocidental e a enorme afluência de crentes às mesmas, capaz de envergonhar as muitas igrejas católicas e a fraca participação religiosa verificada - decidiram acabar com esse privilégio e proibir a conversão de católicos ao islão.
Os tempos foram mudando, as forças alteraram-se e os povos ocupados, gritando não ao opressor, escorraçaram-no da Europa e perseguiram-no na sua própria terra. Mas esta perseguição reveste-se de uma característica diferente: não se limitou a basear-se em razões económicas mas igualmente pretendeu empreender a conversão do islão ao cristianismo.
Os europeus foram para impôr a sua religião, os seus usos e costumes.
Dir-me-ão: isso passou-se há mil anos, não interessa para nada!
Pergunto eu: não interessa para nós, que o esquecemos há muito e que até já passámos por perseguições religiosas na Europa, mas será que os árabes esqueceram ? Será a memória dos homens capaz de transportar consigo ódios e códigos genéticos com mil anos?
Creio firmemente que sim!
Qual a razão, então, para acreditar em algo que nos parece tão inverosímil?
A razão é de ordem comportamental. Se estivéssemos a falar de terrorismo perpetrado por cidadãos árabes que aportavam na Europa carregados de bombas e ódio, dispostos a morrer por 72 virgens (há muitos disponíveis para o fazer, estou certo, até mesmo alguns ocidentais) e com um fito de destruição de alvos ocidentais, talvez a explicação passasse por uma outra estrada: cidadãos oriundos de países onde não existe estratificação social, onde não se verificam manifestações e discussões políticas, baseadas num comércio pobre e numa pastorícia primária, onde a razão de sobrevivência existencial reside no culto e fervor religioso, podería ser alimentada pelo ódio aos ocidentais, por atitudes recentes destes desde invasões, passando pelo petróleo e acabando em Israel.
Mas não. Estamos a falar de cidadãos árabes que cohabitam connosco desde há muito, gozando dos mesmos benefícios sociais, das mesmas escolas, frequentando os mesmo locais e baseando a economia doméstica no nosso modelo de sociedade. Que razões tão imperiosas conduzirão, então, homens e mulheres nesta situação a cometer actos tresloucados, indignos do próprio Corão. Só encontro uma razão válida: uma parte da populaçao árabe ainda não esqueceu um passado histórico longínquo, de mil anos, razão incompreensível para nós ocidentais sempre predispostos ao perdão e a esquecer, de convicções religiosas moderadas e vivendo em sociedades permissivas, defendendo intransigentemente direitos iguais para todos, independentemente de raça, credo ou cor política.
E como se resolve este problema?

Por uma dupla afirmação ocidental, sustento: por um lado a certeza de que os muçulmanos não são todos iguais e que é forçoso demonstrar, sem hesitações, a capacidade de continuar a acolher no nosso seio os seus melhores membros, dizendo não bem alto a toda a espécie de xenofobia; por outro lado,

  • dando caça de forma implacável a todos os terroristas e respectivas organizações, sem dar azo a aplicação de quaisquer direitos humanos como os consagramos, porque é de animais (perdoem-me os animais) que falamos e não de seres humanos,
  • sem limitar a actuação das forças no terreno às limitações da lei, que se aplica no regular e normal funcionamento da sociedade, mas que não é aplicável quando falamos de terrorismo porque é de agentes do mal que falamos,
  • porque é necessário deixar de criticar Guantánamo, mesmo que algumas injustiças sejam cometidas, porque é preciso deixar de falar em sevícias mesmo que algumas sejam manifestamente exageradas, porque de cada vez que o fazemos nos enfraquecemos e ao fazê-lo damos novas armas e alento ao inimigo.
Porque é de uma guerra que se trata e nós, ocidentais, não nos podemos dar ao luxo de a perder!

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