2.6.05

SINAIS CLAROS...

Uma taxa de participação de cerca de 62% da população ultrapassou, largamente, o mínimo exigido e de compromisso político, fixado nos 30% de afluência, para que o sentido de voto no referendo fosse respeitado pela classe política holandesa. Mas porquê um mínimo de 30% ?
Tem resposta: nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, a afluência às urnas na Holanda não tinha ultrapassado os 22% !
As razões por norma apontadas para abstenções elevadas e consequências políticas retiradas, são-no sempre no sentido do desinteresse e do afastamento verificado entre cidadãos e política, servindo para questionar, e bem, a conduta e condução política dos países, bem como o défice democrático que taxas baixas de afluência às urnas representam. Defendo, desde sempre, a obrigatoriedade do voto, por se constituir de facto numa obrigação, para além de um direito consagrado num estado democrático. A facilidade com que a classe política manipula a informação, quer através dos partidos, do aparelho do estado e dos meios de comunicação social, conduzindo o eleitorado no sentido do voto, mas igualmente na pertinácia de uma maior ou menor participação em actos eleitorais, sempre me levou a defender essa obrigatoriedade.
Curiosamente, a leitura política face a abstenções elevadas em eleições de cunho europeu faz-se, por norma, através de discursos que atribuem à complexidade de condução do processo europeu e à confiança depositada pelos cidadãos nas instâncias europeias e, nunca, por défice democrático ou pelo afastamento crescente pos povos europeus em relação a uma Europa onde já se reviram, mas onde hoje, só com alguma dificuldade e boa vontade se reconhecem.
Quando então verificamos que a afluência às urnas na Holanda foi três vezes superior à última votação para o Parlamento Europeu e ao invés de manifestações de alegria - já não digo júbilo - perante afluências recorde ( em França cerca de 70% dos eleitores) demonstrativas de uma vitalidade democrática e de uma atenção popular na construção europeia, fruto talvez de um maior conhecimento e identificação com a problemática da UE e, assim, garante, que toda a construção futura poderá ser executada tendo como base sólida a vontade dos povos, assistimos não espantados a afirmações do seguinte teor:
  • a Europa está "morta" ou "moribunda";
  • melhor será referendar todos em simultâneo, conjuntamente e esquecer os referendos já realizados;
  • nunca se deveria referendar estas matérias;
  • sabe-se como começam, não se sabe como acabam (os referendos);
  • o "eurocepticismo" está instalado.

Outras, muitas mais, poderiam ser indicadas, inclusivé referindo nomes e lugares políticos obrigados a uma muito maior responsabilidade verbal e discursiva.

O que deveria ser considerado como um sinal de vitalidade das populações e um interesse crescente na participação da construção da Europa, pelos cidadãos, através do exercício de um direito de cidadania básico - o voto - retirando os políticos, pela positiva, as ilações das manifestações de vontade exaradas em acto democrático, sofre desvios de interpretação, profundamente atentatórios dos direitos consagrados nas democracias ocidentais - a vontade e expressão populares - tombando para a autocracia, caída no desespero da percepção da própria democracia considerada não uma aliada mas um empecilho às decisões que se pretendem tomadas em gabinetes fechados e, quando anunciadas, assumidas como dogmas, irremediavelmente aceites e não discutíveis, como qualquer dogma que se preze.

É de um golpe de estado palaciano que nos damos conta, todos, quando prescrutamos nas entrelinhas de algumas afirmações ou, mais directamente, no despudor de outras tantas o drama instalado em Bruxelas e Estrasburgo e, por arrastamento, nos partidos políticos nacionais situados ao centro, ansiosos por mostrarem ser obedientes e alunos respeitadores das instituições europeias ("piscando o olho" ao seu próprio futuro).

Uma elite auto-proclamada pretende subjugar as gerações presentes, manipulando-as, enquanto ilude o futuro das gerações vindouras.

Há que continuar o caminho agora iniciado a bem da Europa, da sua paz, do bem-estar dos povos. Caso contrário, esta Europa que se apresenta doente nas instituições, poderá resvalar dramáticamente para um futuro incerto, à força do autismo das elites que a governam.

É a continuação do exercício da cidadania que se exige de todos, sem excepção, porque todos somos responsáveis pela condução do presente, ponte de entendimento entre a experiência do passado e as expectativas no futuro!

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