24.6.05

"O PARADIGMA HIPÓCRITA" OU "UM ESTADO SEM PRESTÍGIO"

  • A execução de funções no sector público, quaisquer que sejam, não têm um reconhecimento nem uma aprovação idênticas, por parte da opinião pública, a serviços equivalentes prestados na actividade privada. A constatação comprova-se pela diferença remuneracional, desfavorável ao funcionário público, que nenhum governo se atreve a alterar.
A remuneração moral e prestígio social desapareceram há 30 anos.
  • Os funcionários públicos, conscientes do mau funcionamento do Estado, acabaram por perder o respeito por si próprios, projectando esse mesmo sentimento no utente público (fenómeno igualmente erosivo vive a Banca há cerca de 10 anos, ao nível do balcão e da figura do gestor de conta).
  • Numa tentativa de minimizar as profundas alterações sofridas pelo estatuto de funcionário público ao longo dos anos, defende-se por vezes o modelo francês, forçosamente hipócrita não só por definição (é francês) mas pela manifestação da vontade de querer "mostrar" uma Administração apolítica, modelo que supostamente salvaguarda os interesses dos utentes e do País, justificando assim a "queda" de importancia da função pública como um ajustamento das relações entre as esferas pública e privada.
  • Desta forma e muito rápidamente chega-se a um modelo em que a elite nacional não nasce no desempenho de altas funções do estado, transitando mais tarde para o sector privado, mas ao modelo inverso, onde os gestores privados, consumadas as suas fortunas, vêm ser aplicadas as suas competências na gestão de negócios privados à defesa dos interesses públicos. Parecendo à primeira vista uma fórmula crível de ser utilizada não resiste, contudo, à análise da interpretação fria que conduz à conclusão que, com semelhante modelo, se desdenha a capacidade de evolução dos escalões hierárquicamente inferiores na Administração Pública.
  • Não existindo evolução dentro da função pública, a nomeação de "estrelas" do sector privado, na forma de "past" qualquer coisa, desde administradores até consultores, pretende muito menos passar competencias do privado para o público e, muito mais, embelezar o Estado aos olhos dos cidadãos - que não dos funcionários - transmitindo-lhe um prestígio que o Estado já não tem condições de conseguir por si próprio.
  • Por outro lado, esta fórmula encerra em si mesma uma enorme dose de veneno: ao aceitarem lugares públicos, os gestores não conseguem fazer do Estado uma empresa mas transmitem a exacta noção que o Estado só é credível se se parecer com uma empresa. Contudo, no Estado exige-se uma clara distinção entre o escalão executivo e o poder decisório, princípio que colide claramente com a administração e gestão das empresas. Estaremos, assim, perante uma clara contradição.
  • Perdida a dignidade de outrora, a autoridade e reconhecimento social de depositários do interesse público, concorrendo com interpretes que chegam constantemente do exterior e que bastas vezes são instrumentos de manipulação de interesses privados, os funcionários públicos acabam por se amesquinhar, definhar, concorrendo para um mau funcionamento público, para um arrastar de processos, tornando-se no alvo fácil - "the sitting duck" - das associações patronais e empresariais e dos políticos afanosos em passar um discurso populista, que pareça sofisticado, mas que na realidade enferma da capacidade de determinar sériamente quais os verdadeiros problemas da Administração e do Estado moderno, da degradação da sua imagem e da incapacidade de encontrar um modelo alternativo.
Se é que existe um verdadeiro interesse em reformar a Administração Pública.

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