Assisti ao debate em directo na TF2, terminado já 6ª feira dentro, última tentativa do Sim ganhar espaço ao Não, e deste garantir a vantagem que as sondagens francesas (nem sempre inteiramente de fiar) lhe atribuem - números de 6ª feira 55% Não.
Algumas das afirmações que ouvi prefiguram uma nova forma de combate à inteligência e intelectualidade:
- "com a aprovação de uma Constituição Europeia, a capacidade de gerar paixões pela União Europeia no seio dos Estados-Membros e, por inerência, em todos os cidadãos europeus, seria enorme". Não me recordo de nenhuma Constituição no Mundo que tivesse nascido como semente geradora de paixões; recordo-me de todas as outras que nasceram fruto das paixões dos homens;
- a grande preocupação do "sim" em vincar a dicotomia esquerda/direita, pelos extremos, todos juntos numa espécie de albergue "espanhol". Quando a tendência de voto aponta 55% de votantes "Não" e os defensores do "Sim" insistem neste pecadilho, em França - não esquecer que é da França que falamos - é porque por uma qualquer razão, a democracia naquele país já terá vivido melhores dias. Porquê? Porque: ou 55% dos eleitores estão extremados políticamente ou; não distinguem os discursos das "extremas" e, mais grave, não têm consciência política desenvolvida, o que a ser verdade e para um país que viveu uma revolução no séc. XVIII, em nome da liberdade dos cidadãos, será tudo menos brilhante;
- a insistência do factor "Turquia" no discurso da extrema-direita. Quem vota pelo "Não" em Portugal nem leva a Turquia em linha de conta no seu raciocínio, mas dá que pensar que em França este seja um argumento plausível de ser explorado junto do eleitorado. Hoje Turcos assumidamente, hoje ainda Portugueses dissimuladamente, tanto faz. O que importa é a clara intenção - nada tendo a ver com a questão geográfica definidora de onde começa e acaba a Europa, se a Turquia deve ou não ser considerada uma nação europeia - que nada tem a ver com a Constituição que agora discutimos, mas sim com uma outra vertente muito mais intrincada e de origem xenófoba. Quer queiram quer não, só vem mostrar claramente que não gostamos todos uns dos outros, que não existe essa coisa tão importante que é a solidariedade europeia;
- uma espécie de atentado intelectual: as intervenções directas do Presidente da República francesa na campanha pelo "sim", esta mais grave que todas as outras; a intervenção directa do Primeiro-Ministro francês na campanha pelo "sim"; a intervenção de membros do governo pelo "sim" (a exemplo do que se passa em Portugal" onde o Presidente da República igualmente se colocou ao lado do "sim", dando inequívoca prova da inexistência de uma equidistancia que primasse pelo respeito de todos os portugueses, mostrando claramente tratar-se, tão sómente, do presidente de alguns dos portugueses); e, "at last but not least" as declarações gravadas de Zapatero - sim, estão a ler bem, do primeiro-ministro espanhol - e do Presidente da União Europeia, passadas na televisão incentivando ao voto "sim" no referendo francês - NO REFERENDO FRANCÊS! Incroyable!!
- a população francesa não vai referendar a Constituição mas sim plebiscitar a acção governativa. Ou seja, o referendo não terá validade enquanto consulta sobre o TCE, porque é da acção governativa que se trata. É esse o verdadeiro motivo do descontentamento e do provável "Não". De facto tem tudo a ver com política interna, com a capacidade maior ou menor de responder às necessidades e aos desafios, mas tem pouco ou nada a ver com o desempenho do actual governo. Será um motivo de preocupação alargada, pois se nas actuais condições não é possível governar a contento das populações, que dizer de uma capacidade política ceifada nas suas competências essenciais?
Assim nos surge, nas manifestções verbais mais diversas, a tolerância mínima da inteligencia e da intelectualidade, que prima pela opinião elitista diminuindo, senão mesmo menosprezando, a capacidade de análise e de opinião das populações. Assim vão os estados de direito, as democracias europeias.
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