23.5.05

A Constituição Europeia - Porta Aberta Ao Euro-Marco e à Oligarquia

A integração europeia, a 25, poderá processar-se através de:
  • uma Integração Uniforme, onde o núcleo de países avança para patamares superiores de evolução sem exclusão de nenhum membro, ou por outras palavras, o alargamento e o aprofundamento efectuam-se em simultâneo, ou então;
  • quanto mais se avançar no processo do alargamento, mais perto estaremos de uma inflexão negativa no processo de integração, constituindo-se grupos fortes e coesos, mas pequenos em número de países.

Pessoalmente acredito que existe “trade-off” entre alargamento e aprofundamento.
Esta permissa parte da verificação e interpretação de comportamentos excludentes ou multiformes, a saber:

  • Auto-exclusão do Reino Unido , Dinamarca e Suécia da zona euro
  • Aumento das assimetrias entre os países
  • Aumento das divergências e constituição de blocos de interesse dentro da união
  • Estes factores, em conjunto, conduzem a uma crise de identidade.
    O eixo Reino-Unido, EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia afirma-se, cada vez mais, no panorama político e económico mundial.
  • O comportamento do reino Unido não é fácilmente previsível. A pertença em simultaneo, a duas esferas de influencia, anglo-saxónica e europeia dificulta esse exercício.

Os cenários são, assim, todos eles serão possíveis, sendo viável trabalhar hipóteses de evolução da Europa, tendo como ponto de partida e atenção o facto de esta estar a viver, presentemente, um processo de grande transformação.

Partindo deste pressuposto, o de trabalhar cenários, avanço para o que entre todos parece o mais verosímil a médio prazo (hoje o longo prazo não existe, tal a velocidade a que os fenómenos polítcos e conómicos se sucedem):

Impensável há uns anos, a Alemanha, em virtude do processo de reunificação acelerado em que apostou, víu-se na contingência de aproximar posições da França. A batalha pela hegemonia europeia trava-se no campo económico e igualmente no demográfico e, aqui, os dois países encontram-se quase a par, com uma ligeira vantagem francesa.

A França, em virtude de não se encontrar entravada por um franco forte, reencontrou, graças à sua situação geográfica favorável, um certo dinamismo e mesmo confiança em si própria. Reuníu, assim, as condições para uma aproximação à Alemanha.

A Alemanha, por seu lado, tudo fez no sentido de integrar, naquele que foi o maior alargamento da história da União, todos os países saídos da derrocada do comunismo na URSS, criando um forte polo aglutinador de competencias, mercados, conhecimentos técnicos e científicos, hábitos produtivos, mesmo que em sectores tecnológicamente obsoletos. Tudo uma questão de tempo. Para quê? Para que a Alemanha ganhe influência económica crescente sobre estes países e constítua uma forte zona de influência no Centro-Leste europeu.

Para uns e outros - franceses e alemães - a Constituição, a ser aprovada, é garante da rigidez da execução política dos desígníos europeus, pela verticalização de processos, garante da hegemonia dos grandes interesses económicos, dos grandes mercados. É uma linha de comboio única, em que uns embarcam no TGV e os outros, sem lugar, terão de seguir em composição normal. Mas a linha é única, não permite ultrapassagens. Mesmo que o "TGV" pare, as outras composições terão igualmente de parar, forçosamente, e demorarão mais tempo a arrancar também.

Mas será imutável a situação? Convictamente creio que não.
O eixo Paris-Bona tenderá a desaparecer com a integração cada vez maior dos PECO. A Alemanha ganhará preponderância económica sobre a região centro-leste europeia.
A acentuar esta tendência estará a forte vontade política dos novos estados membros, a maioria deles saídos de uma conjuntura de repressão social, política e de apertado controle económico, de entrarem definitivamente numa fase de economia de mercado, de fortes investimentos, mas simultaneamente com enorme necessidade de afirmação política e social, de afirmação dos nacionalismos, numa matriz em que a "cidadania europeia" não é emocionalmente sentida.
Os PECO estarão abertos a ceder economicamente algumas prerrogativas em troca de crescimento económico, não estranhando assim que se possam aliar à Alemanha nas medidas económicas defendidas por Berlim, beneficiando do peso do gigante alemão e de parcerias que possam derivar dos tempos de cooperação que mantinham com a extinta RDA, laços de aproximação aquando da “cortina de ferro”. Serão tendencialmente defensores de uma deslocalização do poder económico e do poder político para o centro/leste da Europa .

A própria França sentirá essa viragem. Acredito que a França, estando perto do centro-europeu, se poderá vir a sentir "periférica" no processo de aprofundamento europeu e ver-lhe fugir, com desgosto, o sentido político em que assentou o conceito europeu de Jacques Delors, para um conceito económico centrado e conduzido na Alemanha. A França importará enquanto economia forte, mas essencialmente enquanto um imenso mercado, dimensão disputada a palmo, ao nível da dimensão de mercados, com a Península Ibérica, pelo somatório dos mercados português e espanhol, mas semi arredada das macro decisões do novo polo aglutinador europeu centrado na Alemanha.

É neste contexto que a Constituição Europeia se insere. Uma luta a tempo, por ganhos de posição estruturante ao nível político, enquanto se acelera o ritmo económico. É uma tomada do poder pela força, disfarçada pela legitimidade jurídica, com contornos traiçoeiros nas "alianças" temporais estabelecidas.

Os restantes países já o são hoje, peões no xadrez da política europeia; mercados de escoamento de produtos; emissores de mão-de-obra "barata".

O mundo que nos espera será constituído por um conjunto equilibrado de nações, de escalas equivalentes, não obrigatóriamente iguais. A sociedade (os povos) poderá ser classificada em "superiores" e "inferiores", nas ferramentas económicas e políticas disponíveis. É no estabelecimento de neoproteccionismos para as hipernações que se vislumbra será necessário num futuro próximo, acrescido da desigualdade da repartição de receitas - resultado directo de um mercado livre absoluto - que surge a obrigação da imposição de uma Constituição, sedimento das novas oligarquias, por razões que justificam uma necessidade absoluta e imperiosa de domínio económico, político e jurídico.

Será evitável ? Sim, se houver clareza para evitar a "ideologia dominante", as "urgencias", os "discursos catastróficos" e as ilusões momentâneas.

A Portugal pode e deverá caber uma nova política de alianças, mais ausente da francofonia e mais próxima da anglo-saxónica. Um cuidado reequilíbrar da Balança de Transacções Correntes, diminuindo a dependencia espanhola (enorme e funesta a prazo, porque se a discussão sobre o Não à Constituição é premente e visível, não o será menos a dependencia económica de Espanha e a necessidade de nos "libertarmos" a pouco e pouco), jogando neste particular um papel importante a não adesão do RU á zona euro, facilitando as exportações para aquele mercado.`

É então essencial que todos os que: não se revêem numa Europa onde a igualdade será cada vez mais diferente; pretendam ver os valores da soberania sobreporem-se aos discursos da "moda" numa manifestação clara de respeito pelas gerações futuras e pelo passado histórico; a consideração da vantagem de dúvidas existencialistas, ab initio, de alguns parceiros europeus e, igualmente importante e decisivo; acreditem ser possível uma equitativa distribuição das receitas funcionando o Estado como entidade reguladora e empenhada na equidade e solidariedade social, para todos esses só poderá restar uma solução:

Dizer bem alto NÃO a esta Constituição Europeia.

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