23.1.05

Thomas Chatterton (1752-1770), um jovem poeta de Bristol, suicidou-se aos dezassete anos de idade. Escreveu versos em inglês arcaico atribuindo-os, contudo, a autores forjados, nomeadamente Thomas Rawley, um monge que teria vivido no séc. XV. Chatterton era afinal o autor dos manuscritos que dizia ter encontrado na igreja de St. Mary Redcliffe, em Bristol. Apesar de ter sido denunciado em meados de 1769, o que levou a que quase todos os seus escritos seguintes fossem recusados pelas revistas literárias, a discussão sobre a autenticidade dos poemas e dos manuscritos continuou noa anos seguintes. Em 1777 foram coligidos e publicados em livro, pela primeira vez, os poemas de Thomas Rawley. Em 1803, numa edição por subscrição, saíram finalmente como obras de Chatterton.
É quase impossível não deixar de traçar paralelismos com certos comportamentos actuais. Se as situações parecem atrair a curiosidade são de imediato exploradas, independentemente da sua qualidade. Thomas Rawley era tão conhecido quanto Chatterton, mas uma diferença existia: enquanto o primeiro vivera no séc. XV, o segundo era contemporâneo no séc. XVIII e um total desconhecido. A obra, em inglês arcaico, foi alvo de publicações e posterior discussão, porventura sendo estes, sinais de uma evidente qualidade então reconhecida. Contudo Chatterton, após as primeiras denúncias, não mereceu, sequer em nome próprio e já sem qualquer embuste, que a sua obra fosse publicada na imprensa da época. Tinha ou não qualidade ? Valia pela antiguidade, mais do que pela erudição ? Se sim, porque razão foi publicada por mais duas vezes, a última das quais em nome do legítimo autor ? E será a antiguidade das coisas sinónimo imediato de merecida atenção ? Ou deverá a qualidade imperar, em todas e quaisquer circunstancias ?
Inclinamo-nos para esta última. Definitivamente. Bem como defendemos que a qualidade, salvo honrosas excepções, é um dom que se pode ter, mas igualmente perder. Por exemplo, a idade faz-nos perder algumas qualidades. Essa perca pode ser mais ou menos notória, mas existe, pode ser mais ou menos tardia, mas será inevitável. Quem já produzíu com qualidade pode deixar de o fazer. As obras - no sentido isolado do termo - ao contrário, quando são credoras de admiração sê-lo-ão sempre, porque a obra é estática, não sofre erosões,é eterna. As obras, quando consideradas no seu conjunto, são mutáveis, tanto pela evolução, como pela demonstração de retrocesso. Nesses momentos, particularmente, a opinião sobre o seu criador degrada-se, são subvalorizadas. A evolução implica, bastas vezes, a divisão do acto criativo em períodos. Estes são depois avaliados e catalogados como mais ou menos ricos, de maior ou menor exaltação das capacidades e génio do seu autor.
No nosso País estamos repletos de exemplos de qualidade, que demoraram o seu tempo a pontificar e fortalecer merecida fama e de outros, que sem qualidade, mas por estarem na "moda", foram guindados para patamares que o tempo se encarregará de colocar nos devidos lugares. O tempo é um amigo fiel da verdade das coisas. Nada lhe escapa.
Também na política estes princípios se aplicam. Senão como explicar que Mário Soares afirme que o povo português é "burro" caso não dê uma vitória clara, por maioria absoluta, ao PS e que Freitas do Amaral apele ao eleitorado do PSD que não vote em Santana Lopes. É o ocaso de duas figuras públicas, com lugar na história de Portugal, o segundo com intermitências de avaliação e o primeiro destinado a pertencer à galeria dos famosos, porventura na sala dos horrores. Nada que apoquente o Dr. Mário Soares, que se fosse católico, creio eu, até preferiria o inferno......eu preferiria e sou católico. Os meus amigos ou já foram - felizmente ainda muito poucos - ou irão todos lá parar. Que seca que seria então o Céu......

Sem comentários: