16.1.05

Curiosamente, sobreveio-me um pensamento interessante e pertinente quando observava, numa sala de espera de um qualquer consultório em Lisboa, um lindo e enorme peixe dourado, num aquário pequeno, desmesuradamente pequeno para o tamanho do animal.
Embora bem alimentado o bicho não gozava da liberdade, sequer, de se poder movimentar com àvontade. Fê-lo contudo, frenética e loucamente, quando resolvi ligar e desligar num ápice, o percursor de injecção de alimentos dentro do meio aquático a que está confinado. O "reflexo de Pavlov" estava lá todo, todinho. O bicho ganhou asas ao ponto de saltar, por uma vez, para fora da própria água e suspender-se, por momentos, no ar. Curiosamente é fora de água que o peixe morre e, mesmo assim, quis-me parecer que aquele momento foi o único de verdadeira liberdade que gozou enquanto o observei ( umas boas 3 horas ).
Curiosa foi, igualmente, a impossibilidade de evitar a comparação, entre o peixe na redoma, bem nutrido mas na redoma, e todos os executivos ( nunca gostei da palavra ), políticos e demais funcionários, que atingindo determinados patamares de reconhecimento social se encontram totalmente vendidos a quem os mantem, ou seja, às chefias superiores, àqueles que efectivamente controlam os "reflexos de Pavlov".
Estes "peixes" discutem mordomias como a marca e modelo do carro de serviço que vão utilizar, os PPR que vão gozar, o tempo de férias de que vão disfrutar, o número de vencimentos anuais que vão auferir e respectivos montantes. Depois é vê-los aceitar e acatar todo o tipo de situações, de constrangimentos, de humilhações mesmo, nalguns casos. O "leit motiv" é, contudo, permanecer nas boas graças e poder disfrutar das regalias bem visíveis, bilhete de identidade de reconhecimento do sucesso profissional e social alcançado.
Mas na verdade são infelizes. Permanecem "dentro de água" toda uma vida, mas sem espaço, com ideias mas, bastas vezes, incapazes de as exporem, com receio de serem profissional ou políticamente "incorrectos". Os momentos de liberdade só existem quando se salta para fora do meio, mas isso significa a "morte". A reforma chega e, com ela, o desenrolar de uma série de frustrações que definham, matando lentamente. São incapazes de fazer qualquer outra coisa que não seja trabalhar bajulando. A 2ª mais importante que a primeira, pois é essa que desencadeia o mecanismo de "alimentação" e, por consequencia, o "reflexo pavloviano". Sem este, nada mais existe: nem ideias próprias, nem vontade própria. Foram de há muito suprimidas, reprimidas, esquecidas.
Após tantos anos não existe, sequer, consciencia de classe. Não existe classe.
Existe uma reforma e a ténue e vaga esperança de que alguém, mais novo, mostre disponibilidade para ouvir, vezes sem conta, histórias passadas, normalmente envolvendo e exaltando nomes que a outros nada dizem, mas que para os próprio representam o poder "itself", escamoteando, através de uma falsa conivencia que nunca existíu, a amargura de uma existencia pessoal e profissional que não passou de uma miragem e que, a haver coragem na assunção de uma vida desperdiçada, o seu íntimo ditaria que fossem mais denegridas do que aclamadas.
Mas quem é que tem coragem, no fim da vida para dizer: A MINHA VIDA FOI UMA MERDA, totalmente inaproveitada e vendida a demasiados bens materiais.

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