25.1.05

A crescente tentação de abraçar estrepitosamente o federalismo conduzirá ao mais que provável desaparecimento do Estado-Nação como o conhecemos e, com ele, à morte anunciada da política. Qualquer que seja a tradição de enquadramento do debate político, este exige um corpo político. É o corpo político que permite aos cidadãos de um país expressarem, na obediência às leis, o seu "patriotismo institucional". No mundo complexo de relações que se tem criado cada vez se torna mais difícil e penosa a missão da política em ser instrumento organizador da vida dos homens em sociedade, surgindo sim, já quase como uma actividade secundária e inadaptada aos problemas colocados na actualidade. A crise de políticos e de ideias políticas advém desta dificuldade adaptativa. Perde-se a organização piramidal do poder, perdendo-se a componente hierarquizante da lei. As grandes decisões já não originam as pequenas decisões. A crise da concepção espacial do poder repercute-se, assim, na formação das decisões. O debate político, entendido como debate de princípios e ideias, debate ideológico, sobre a organização da sociedade, esfuma-se, desagrega-se, reflexo da desagregação do processo de decisão e da sua profissionalização. Numa democracia avançada é cada vez mais difícil à classe dirigente conseguir uma visão geral das questões, sendo mais visíveis os interesses particulares, das grandes empresas, dos estados mais ricos, dos "lobbies" poderosos que não funcionando gratuitamente, tenderão a beneficiar aqueles em detrimento dos mais pobres. A actividade de "lobbie" não significa, forçosamente, algo de reprovável moralmente, e na maioria das situações não o será, mas no jogo de interesses na obtenção da informação, impera cada vez mais a lógica do "saber é poder". O engano existe na ideia generalizada de que o interesse geral nasce, naturalmente, da confrontação honesta e honrada dos interesses particulares.
A política existe como resultante de um contrato social que precede e ultrapassa todos os interesses particulares. Se se abandonar este princípio, reduzindo a política a uma ferramenta de "mercado", o espaço de que dispõem os políticos ficará irremediávelmente ameaçado, tendendo a desaparecer, pela simples razão de não ser possível ao mercado fixar valores para o interesse nacional, delimitando a equidade e solidariedade exigíveis. Se o colectivo nacional não é um dogma mas sim uma opção, ninguém disporá dos meios capazes para fundamentar essa opção com critérios idênticos aos que guiam a sua acção na gestão dos próprios interesses. Não há dogma económico que se possa substituir à evidência geográfica e histórica de uma nação. As democracias liberais sempre distinguiram e fizeram questão na distinção, entre esfera pública e privada, conciliando a lógica unidimensional dos interesses com a tradição humanista de que toda a pessoa é um sujeito. O cidadão moderno era um ser bidimensional, preservando uma certa unidade interior em cada uma das facetas da sua vida. Abandonando o postulado da proeminência da política, a separação entre público e privado banaliza-se, pulverizando a ideia de próprio sujeito, pilar fundamental da democracia liberal. O mesmo homem pode pertencer, em simultâneo, a um partido político, a uma administração de empresa, a uma associação representativa dos cidadãos, mas perante a impossibilidade de se dividir infinitamente, não escapará a um conflito de interesses. Assim, quais os problemas a tratar e como os hierarquizar. Ao perder a dimensão temporal, fechando-se em situações em vez de se organizar à volta de princípios, o debate político esvazia-se de substância. O passo seguinte é a "mediatização" em crescendo a que se assiste hoje em dia, para gáudio dos "media", em que o efémero se substitui à consciência de um destino comúm, vivido em continuidade.
O homem político, a par do jornalista, organiza as percepções colectivas. Vivem um do outro, gerem o tempo e a imagem. As conferências de imprensa ultrapassaram, em mediatismo, as cimeiras de chefes de estado. A televisão impõe o seu ritmo ao próprio debate político. O político tenta gerir percepções, tão efémeras quanto os interesses que as sustentam. Temos, doravante, uma sociedade fragmentada, sem memória, que só encontra a unidade na sucessão das imagens que os "media" lhe devolvem de si mesma, a cada semana.
Talvez assim se perceba a polémica, feita de avanços e recuos, em relação aos frente a frente televisivos, protagonizada pelos actores levados à boca de cena, neste acto de eleições legislativas. Uma má "performance" e a sala fica às moscas.

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