Reflexão a Propósito de Uma Crise - Parte I
Nas últimas décadas, em especial desde que Aníbal Cavaco Silva foi PM de Portugal, tem-se assistido à mudança progressiva - e até agora imparável - do pensamento político pela tecnocracia.
Igualmente a escola económica do B. de Portugal imperou nos últimos anos: a escola dos monetaristas - os economistas que entendem que as pessoas existem para servir a economia.
ACS mantém-se como grande referencia da política portuguesa, mas contudo e paradoxalmente, ACS é tudo menos político. É um tecnocrata que gozou do privilégio de ver em simultaneo, no 1º mandato, baixar o preço do petróleo e assistir a uma desvalorização do dólar americano, que a par dos fundos estruturais entrados pela porta de Bruxelas, lhe permitiram 4 anos de suposto crescimento e grande sucesso e um 2º mandato em que foram já visíveis, em face da ausencia de ajudas externas como as referidas, as suas diversas dificuldades de entendimento de uma economia que se quer virada para os indicadores sociais e não para dados estatísticos económicos. ACS não chamou a Portugal investidores estrangeiros, não fomentou uma política de educação virada para o conhecimento e não tratou de cuidar a saúde primária da população. Ao invés, negociou "dossiers" com a prioridade assente na construção de uma rede viária que aproximava populações, mas também reduzia a importancia que Portugal, enquanto mercado diminuto no conjunto do grande mercado ibérico, ainda poderia ambicionar ter como polo agregador de IDE. Todos estes "dossiers" gozaram de uma excelente aceitação por parte do nosso parceiro comercial espanhol, hoje responsável por cerca de 60% das nossas exportações, na medida em que Portugal e Espanha, conjuntamente, constituem um mercado superior ao mercado francês em número de consumidores, sendo neste plano, no número de consumidores e na sua matriz, que se jogam os destinos do IDE.
A ausencia de "spillovers", que o investimento automóvel em Palmela demonstra cabalmente pelo sua incapacidade de criação de polos de crescimento industrial relacionados, não sofreu qualquer alteração, pelo contrário, pelo facto da rede viária portuguesa ter aumentado em kms de auto-estradas e se ter reduzido, temporalmente, as distancias entre agregados populacionais. Esta política levou à criação de riqueza individual - a grande distribuição - mas não levou ao aumento da riqueza do País. ACS cometeu o mesmo erro que Espanha havia cometido 10 anos antes, gerando ricos mas não gerando riqueza.
Mesmo o investimento de Palmela, estandarte tantas vezes erguido, não atingíu os valores inicialmente previstos de novos empregos gerados directa e indirectamente e veio a obrigar o País, uns anos mais tarde, a negociar com dificuldade e enormes custos a manutenção da exploração fabril, sob pena de caírem cerca de 15% do valor absoluto das exportações portuguesas e cerca de 55% se considerarmos os bens de maior valor acrescentado. Ou seja, a economia nacional, no que se refere a bens de elevado valor tecnológico, está refém da Auto-Europa.
ACS não conseguíu fomentar, em Portugal, a eficência e sem esta não existe realmente produtividade. Sem sermos produtivos não podemos aspirar a ser competitivos. Daí que tantas vezes se confunda competitividade com produtividade nos discursos políticos. A verdade é que uma anda a par da outra. Se fôssemos eficientes a Auto-Europa ter-se-ia constituído num polo agregador de IDE, conforme nos explica tão bem os novos conceitos de geografia económica.
ACS foi então um bom guarda-livros, com as contas sempre certas, mas foi um economista redundante e, sem dúvida, prestou politicamente um mau serviço ao seu País.
A escola de Ferreira Leite é a mesma. Compreende-se então, que a despesa do Estado seja sistemáticamente confundida, enfiada num mesmo saco, seja ela produtiva ou não produtiva.
A preocupação dos governos, tenham a côr polítca que tiverem, deverá debruçar-se sobre a despesa estatal não produtiva. A despesa produtiva, ou seja, o investimento estatal, cria défices num primeiro período, mas gera igualmente receitas, tanto no mesmo período, consoante o tipo de investimento, como de certeza em períodos subsequentes, aumentando assim a riqueza - o PIB - e a capacidade de fazer face aos compromissos futuros. E não se pense que os investimentos estatais se confinam à construção civil e obras públicas. Na realidade vão muito além destes.
Estes investimentos são tão mais importantes, quanto é certo terem os estados, por via da adesão À UE, perdido as suas principais fontes de receitas - impostos e taxas aduaneiras. As receitas, hoje, confinam-se aos impostos sobre o rendimento e o consumo e estes estão largamente dependentes das condições de vida da população, da capacidade produtiva do País, da sua competitividade e da capacidade de atrair e reter capitais.
Não se percebe, então, que agentes económicos com responsabilidades, ataquem um executivo que pretendia, por via orçamental, fomentar o investimento público, substituindo-se ao investimento privado, receoso e apático, contribuindo por esta via para um aumento na confiança dos agentes económicos, levando numa primeira fase ao aumento do consumo e de imediato ao incremento do investimento privado, por indução do próprio mercado, leia-se aumento da procura. É a polítca contra-cíclica, a política económica correcta, a que considera ser a economia uma ferramenta que deve ser utilizada para servir o interesse das populações.
O problema surge quando, tantos anos passados, temos como PM um político e não um tecnocrata. Quando temos alguém que, por definição, sendo político corre riscos mas tem igualmente ideias - o demagogo - e se prepara para cortar com o passado recente, aplicando um conjunto de medidas que perseguindo um fim político se arriscam a colocar a nú a fragilidade dos "poderes" instituídos e, mais ainda, a ausência total de ideias para a condução de um País à deriva.
A persistência nos erros pode resultar em solução para os problemas. Estes deixam de o ser por corresponderem na exacta medida aos erros cometidos.
Talvez por isto e com isto, se oiça com força cada vez maior a germinação da ideia de uma aproximação ibérica. Talvez os lugares se estejam a jogar a outro nível, ao nível regional, à dimensão exacata da pequenez que caracteriza o pensamento político português e europeu no dealbar do séc. XXI.
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