Jose Malhoa
A situação apresenta-se, tal como Malhoa a retrata, de um sofrimento pungente, sentido, entre a incredulidade e o catastrófico.
As condições não são explícitas para tamanha desgraça: ou o casal não o é de facto ou sendo-o padece, igualmente, de condições precárias para criar com dignidade um filho. Qualquer dos cenários é perturbante.
Os tempos não mudaram assim tanto. Não importando para nada as circunstâncias sociais e de moral em que a maternidade sucede, pouco ou nada foi feito ao nível do planeamento familiar nas duas últimas décadas.
Ainda hoje um estudo dado à estampa sobre os países europeus e a sida, aponta Portugal como País de elevadíssimo risco, com aumento crescente da taxa de incidência sobre os heterosexuais e o de maior risco na UE.
A discussão do aborto está na ordem do dia. A lei existente é, a nosso ver, suficientemente avançada para fazer face às necessidades e dificuldades que se possam colocar de uma forma geral, necessitando o particular de análise cuidada, como sempre sucede. Contudo a lei existente não responde a uma outra questão fundamental: a impreparação e desconhecimento nos planos sexual e de planeamento familiar do nosso povo. Sob este ponto de vista a lei actual assume contornos difíceis de explicar na sua eficaz aplicabilidade, pelo que só uma forte componente hipócrita e/ou demagógica poderá justificar os argumentos que se apresentam, quer a favôr quer contra. Porque a questão coloca-se ao nível da formação das massas e da moral individual e, quer num campo quer noutro estamos, como em tudo, muitíssimo atrasados.
A revolução dos cravos não foi cultural - o défice de conhecimentos em Portugal é confrangedor e assustador numa óptica de futuro.
Não foi uma revolução democrática porque se permitíu ultrapassar o colectivo enquanto somatório do individual, para se bastar num conjunto de partidos e de pseudo-políticos cuja racionalidade e sentimento nacional acaba onde começa o seu enorme ego. E, porque não dizê-lo, o seu gordo traseiro, tantas e tão doutas opiniões têm, sabendo-se que traseiros e opiniões cada um tem o seu.
Não foi igualmente uma revolução libertadora, porque não nos libertou de nada, antes contribuíu decisivamente para a miséria de centenas de milhar de portugueses, quer no Continente quer nas Províncias Ultramarinas, entregando-nos depois na mão de uma Europa para a qual nunca nos virámos, porque históricamente nunca pudémos contar com ela.
Não formou consciências, não contribuíu para o esclarecimento da população, para a afirmação de um povo baseado nos comportamentos sociais, morais e humanos, pelo respeito pelos outros.
Por fim não foi sequer uma revolução, porque essas fá-las o Povo na rua.
Desta forma a maternidade em Portugal assume contornos dramáticos.
Ser Mãe ou Pai no Portugal de hoje, mesmo para aqueles que já o são e dedicam todo o seu carinho e amor aos filhos é um exercício bem difícil de realizar. Porque não se percebe que futuro poderemos esperar para as nossas crianças, que caminho lhes poderemos indicar, porque só nos resta a oportunidade de lhes colocar a mão por baixo, ampará-los o melhor possível e acreditar que ainda há alguma sorte no Mundo, porque se quisermos acreditar básicamente na competência então melhor será emigrar, porque neste País ao nível da competência estamos falados.
A menos que concordemos todos que servir bebidas num bar ou arrumar quartos de hotel para reformados alemães, franceses e ingleses possa ser um futuro aceitável para os filhos desta Nação quase milenar. Eu não aceito!
Assim, contrariando todas as minhas crenças, talvez e repito o talvez, atendendo ao panorama nacional, o melhor seja mesmo em vez de facilitar as condições do aborto, proibir a maternidade.
Daqui a uns 90 anos, o último português, à hora da morte, poderá requerer para epitáfio de todo um povo a seguinte frase gravada numa lápide:
"Aqui jaz comigo o povo português que, de feitos e cometimentos cheio, se bastou e fartou, entregando-se nos últimos cento e quarenta anos a delapidar a sua História, a sua estima, convicções e orgulho, perecendo pobre e sem destino. Que seja recordado pelo que de bem fez e esquecido por tudo o que podendo fazer não o quis!".
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