19.5.05

Princípios Fundamentais

Contráriamente ao previsto por Montesquieu, a dinâmica histórica começada pela era do iluminismo não conduziu à morte das religiões, mas inclusivé promoveu o seu renascimento, algumas das vezes sob formas bastante degradadas.

A esfera política, após luta demorada para se libertar dos grilhões religiosos e exercer, por si só, toda a influência, parece sucumbir da própria liberdade alcançada.
O mundo está hoje ciente das enormes dificuldades que encerra, abandonado pelos projectos políticos sistemáticamente fracassados, agarrando-se aos rituais religiosos como necessidade absoluta de dar um sentido às vidas desafortunadas. Mesmo os enormes progressos científicos não afastaram a população da religião. Promoveram, até, uma maior aproximação.
A ficção científica substiuíu as novelas romanescas de outros tempos. As armas e naves inter-galácticas, com poderes especiais, substituíram os cavalos, as pistolas, os castelos. Curiosamente, tanto numa situação como noutra mantêm-se as figuras míticas, dotadas de poderes transcendentais, com feitiços e capacidades mentais extraordinárias: Merlin, Gandalf, Obi-Wan.
Não será então de estranhar que dois mil anos depois de Jesus, com a ciência a um ritmo imenso, a religião seja encarada com tudo o que tem de mais mágico. Não é de estranhar que os rituais se sobreponham à metafísica. É reverenciado o indeterminado como derradeiro refúgio dos sentidos.
Nos países pobres, onde o tempo não consolidou o Estado-Nação, as religiões obedecem a uma lógica de ambição de renascimento do poder político, de lhe devolver um sentido. O fundamentalismo hislâmico e hindú descobrem energias no mal amparado, explicado e assimilado choque da modernidade.
Assusta-nos a perspectiva de que vencido o espectro comunista, se desenvolva um novo projecto político global, baseado nos pressupostos da fé, quando, em simultâneo, vemos esfumar-se a nossa própria crença no universo democrático que construímos. Assusta-nos a ausência de sentido de família que grassa no mundo ocidental, a perca, por comodismo ou egoísmo, ou ambos, da missão de educar, ensinar, transversalizar o conhecimento e a cultura, pela prática sistemática de entregar a educação das gerações vindouras a terceiros e da ostracização pela idade da geração anterior à nossa. Conscientes ou não destas realidades, agarramo-nos à fé, à igreja, ao culto, aos dogmas, às normas. Procuramos nestas a orientação para nós e para os outros. A sociedade da informação está fortemente perdida, desorientada, desinformada.
Acreditando ou não nos dogmas religiosos, aceitando que possam estes ser objecto de discussão, de um princípio fundamental nenhum de nós deve abdicar: se o dogma é discutível, a norma não pode sofrer a mínima contestação. Quem se atreve a discutir a validade dos Dez Mandamentos, enquanto normativo adequado ao funcionamento do homem em sociedade? Atrever-se-á alguém a discutir a pertinácia dos sete pecados mortais?
Será possível aceitar a norma sem conviver com o dogma?
Não! Se tal fosse possível o normativo jurídico seria suficiente para a orientação comportamental do Mundo. Como sabemos não é. Porquê? Porque não é garante da orientação moral e espiritual e estas são fundamentais.
Sejamos então crentes, todos, independentemente da religião que abracemos e olhemos, para todos os demais, sob o olhar fraterno de quem sabe que confortando se conforta a si próprio, que entendendo se entende a si próprio, que respeitando se respeita a si próprio.

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